Na vulgata futebolística do brasileiro é quase certo ouvirmos frases como “é preciso ter respeito pelo adversário”, ou “jogo se ganha no campo”. Assertivas cautelosas dessa natureza – em cores mais agressivas, é certo – foram precisamente mobilizadas na última Copa, em 2006, quando a badalada Seleção Canarinho soube, novamente, perder para a França do magistral, e então polêmico, Zidane. Aliás, nunca me conformei com o fato de que o time francês conseguiu algumas de suas poucas glórias sobre o Brasil, mas isso é um assunto à parte. Há quatro anos foi a soberba o pecado cometido pelos selecionados brazucas, violação de tácitas normas do futebol popularmente conhecida como “salto alto”. Desse mal parece que a equipe comandada por Dunga não padece. Nosso técnico, calejado por juízos cruéis quanto ao seu modo austero de conduzir coletivas e treinamentos, carrega glórias, fracassos e, sobretudo, a experiência de três copas como jogador. Isso deu a ele algumas certezas, se é que coisas desse tipo são possíveis no futebol. Uma delas é saber que o sucesso de um time se faz no campo, a despeito da tietagem, dos flashes ou dos contratos de publicidade – ainda que ele próprio tenha firmado vários. Mas a maior conquista da Seleção Brasileira que disputa o torneio na África do Sul é, creio, a construção de um novo paradigma no futebol. Sempre ouvi, ao lado das frases difundidas que mencionei há pouco, reclames quanto à dificuldade de se jogar contra “times pequenos”. A melhor definição para essa categoria imprecisa talvez seja a covardia, o medo ante o adversário visivelmente mais forte. Pregar o respeito ao oponente, precaução que ainda defendemos, é uma coisa; ter medo é outra. Depois de quatro jogos foi isso que vimos em 2010: os impetuosos que resolveram jogar contra o Brasil de igual pra igual – Costa do Marfim e Chile – perderam; os que tiveram medo e jogaram como “times pequenos” – Coréia do Norte e Portugal – foram os únicos capazes de criar alguma dificuldade. Nas quartas de final enfrentaremos a Holanda, um time bem diferente daquele portentoso adversário do passado. Tanto em 1994, no gol do lateral Branco que desenhou uma curva nas costas do baixinho Romário, quanto em 1998, na inesquecível disputa de pênaltis inflamada pelo velho lobo Zagalo, a Holanda era um belo time. Hoje é burocrático, ainda que conte com a eficiência e o talento de Arjen Robben e Wesley Sneijder. Resta saber como se comportarão no jogo das quartas – com impetuosidade ou covardia – e se a máxima forjada pelo Brasil vale para todos. Acho que sim. Quem não tiver medo do Brasil, além do tradicional respeito, sofrerá as conseqüências de um time robusto e elegante na defesa – com Lúcio e Juan em alta forma –, além de ágil e fatal no ataque – com o trio Robinho, Kaká e Luis “Fabuloso”. Com isso até nos esquecemos do fraco meio campo. Meu palpite: contra a impetuosidade ganhamos fácil; contra o medo, passamos com dificuldade.
Publicado no Jornal Tribuna de Minas em 02 de julho de 2010 (dia da eliminação do Brasil) e escrito um dia antes.
Em tempo:
Como juízos pretéritos são sempre mais confortáveis do que previsões, confesso que errei. Mais do que isso, todos erraram... Mas talvez tenha sido melhor errar assim, acreditando no Brasil. De resto, concordo com as análises que crucificaram o técnico e o desequilibrado volante da seleção (me recuso a dizer o nome), bem como a "europeização" do futebol brasileiro. No meu artigo, escrito no dia anterior ao jogo, me descuidei de um detalhe: o fato de que nunca tínhamos estado atrás no placar, nem jogado contra "catimba" (holandês, Robben em especial, também "catimba"). Faltou drible, faltou arte... Sobrou para a Espanha que, justiça seja feita, pelo menos jogou mais "bonitinho" que os demais. Até a próxima.
Viçosa, 12 de julho de 2010.
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