quinta-feira, 29 de julho de 2010

Os jovens, a política e a democracia (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Olá, boa tarde! O Tribunal Regional Eleitoral-MG noticiou recentemente a queda do percentual de eleitores de 16 e 17 anos, faixa etária para a qual o voto é facultativo no Brasil. A despeito do crescimento do eleitorado mineiro de 2006 para cá, os jovens representam hoje um percentual menor do que representavam na última eleição. Dado que é ainda mais significativo se comparado às eleições de 1989, primeira em que os menores de 18 anos e maiores de 16 tiveram direito ao voto facultativo, quando essa fatia correspondia a 4,45% do eleitorado nacional; já nas eleições de 2010 eles serão apenas 1,7% do eleitorado mineiro. Os dados, ainda que não representem novidade para os que acompanham a política, são aparentemente perturbadores ao sugerir o baixo envolvimento dos cidadãos no processo democrático. As informações cobram, entretanto, mais cuidado na construção de inferências equivocadas ou descontextualizadas. Os números divulgados pelo Tribunal negligenciam o crescimento da população jovem no país. Segundo dados do IBGE, a população de 16 e 17 anos diminuiu nos últimos 5 anos, o que nos leva a crer que sua representação percentual no eleitorado naturalmente diminuiria. É seguramente incômodo imaginar que o exercício da política tem se mostrado incapaz de seduzir as pessoas, recuperando, em parte, a nobreza inscrita na sua fundação. Se no passado sua prática era concorrida por todos os que se ocupavam com o bem da coletividade, depois de sucessivos escândalos e maus exemplos não é surpresa que muitos dela se distanciem, ainda que essa decisão cobre um alto preço num futuro próximo. Mas o Brasil mudou nas últimas décadas, em muitos aspectos para melhor. Novas formas de representação, conquistas institucionais na proteção de direitos, impressa livre, uma sociedade que convive de forma mais aberta com seus problemas e pode, por isso, se incomodar e pensar soluções para o que antes era silenciado por mecanismos em muito distantes da democracia que hoje pouco seduz. Em 1989 tínhamos uma sociedade cindida em torno de questões com as quais não precisamos mais nos preocupar. Falo, precisamente, da própria democracia, que no passado era dúvida e no presente mostra que veio para ficar. A estabilidade das suas instituições pode fazer com que os jovens sintam menos necessidade de participar, aliada, é claro, à pane de novas idéias. Nem tudo é melhora. Não podemos ignorar o declínio da imaginação política na construção de programas e propostas que envolvam um número maior de cidadãos no processo. Com efeito, precisamos estar atentos para que as conquistas não sejam negligenciadas ante a necessidade de buscarmos, permanentemente, melhorias para o país. Decerto é ruim que nem todos os jovens votem. Mas seus motivos podem esconder mais conquistas do que problemas. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

domingo, 25 de julho de 2010

Estado mobilizador? (Opinião - Tribuna de Minas)

Há alguns anos um triste episódio me chamou a atenção nos EUA. A passagem de um furacão destruiu a cidade de New Orleans e, semanas depois, os especialistas anunciaram o seu retorno, pedindo aos moradores das regiões afetadas que se retirassem de suas casas. Do contrário, nas palavras da governadora de um dos estados em questão, os cidadãos deveriam escrever o número da previdência social no antebraço para facilitar a identificação dos corpos.

O insólito da situação, a meu ver, se justifica pelo contraste de tratamento que qualquer episódio de natureza semelhante receberia no Brasil. Aqui, diferentemente da postura da governadora que facultou aos indivíduos o direito de morrer, a Defesa Civil impediria, forçosamente se preciso, a permanência de moradores em áreas de risco, interditando casas, removendo pessoas. Há, seguramente, um elemento virtuoso neste modo de compreender a ação do Estado, ocupado com o provimento e organização da vida coletiva. Elemento que, no limite, se manifesta em diferentes mecanismos, aparentemente desconexos, mas que guardam um sentido maior acerca da nossa formação, como o voto obrigatório, por exemplo.

No presente, o tão propalado projeto Ficha Limpa se inscreve nessa mesma discussão. A cidadania brasileira, novamente, clama por uma espécie de tutela sobre o seu comportamento, convidando personagens externos à sua soberania para decidir, com base numa linguagem sistêmica e opaca, quem pode ou não ser votado. Curiosamente o projeto foi uma iniciativa popular de lei que contou com um estrondoso apoio de praticamente todos os setores da opinião, recebendo poucas e mal fadadas críticas. Porém, o imbróglio jurídico que ora nos incomoda, recheado por um festival de liminares sobrepostas, nos convida a pensar se a reincidência da tutela que singulariza o Estado brasileiro é, como mencionei há pouco, igualmente virtuosa. Não enxergo no Ficha Limpa incremento de cultura cívica, nem qualquer capacidade pedagógica. Vejo, isso sim, a eclosão de mais um sintoma dessa cidadania carente de “proteção”. Torço para que o projeto funcione, pois do contrário quem irá nos proteger?

Publicado no Jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora-MG (25 de julho de 2010).

Propaganda eleitoral: para uns mais, para outros menos (JF Notícias)

A corrida para as eleições de outubro já demonstraram que a briga será acirrada. Mesmo antes do prazo oficial, os partidos já faziam campanha antecipada, o que gerou inclusive multas para os que tentaram propagandear antes do prazo. Mas agora é para valer. E se antes a disputa já revelava os sinais de que a publicidade seria mais uma vez foco crucial dos candidatos, agora então nem se fala. A promoção e a aparição são marcas registradas nas campanhas daqueles que querem ocupar os cargos do governo a partir do ano que vem.

No dia três de outubro 134 milhões de brasileiros irão as urnas escolher, entre todos os candidatos, os 27 governadores, 54 senadores, 513 deputados federais, 1059 deputados estaduais e um presidente, para governarem juntos o Brasil durante os próximos quatro anos. E para conquistar esses eleitores, os partidos buscam espaço nos mais diversos meios de comunicação, e principalmente naquele que mais influencia o público, a televisão.

O Cientista Político, Diogo Tourino, explica qual a importância da propaganda, tanto para o candidato quanto para o público. “Para o eleitor a propaganda eleitoral dá início ao ‘tempo da política’, e para os candidatos é um veículo privilegiado de transmissão de informações”, disse.

Os dois primeiros candidatos mais cotados ao cargo presidencial, a petista Dilma Rousseff e o candidato do PSDB José Serra, vão ocupar 70% do horário eleitoral gratuito na TV. Dilma terá um tempo de 10 minutos e 12 segundo e Serra, 7 minutos e 12 segundos.

O tempo de cada candidato varia de acordo com as coligações. Todo partido tem uma parcela de tempo, calculada de acordo com sua bancada na Câmara. A bancada de Dilma é formada por PT, PMDB, PR, PDT, PCdoB, PSB, PRB, PTN, PSC e PTC. Já a de Serra une os seguintes partidos: PSDB, DEM, PTB, PPS, PTdoB e PMN.

Marina Silva (PV), que está em terceiro lugar nas pesquisas, tem um tempo de 1 minuto e 25 segundos no horário eleitoral da TV para tentar subir os seus índices de votação. Na sequência dos que possuem mais tempo, segue em quarta posição o candidato Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) com 1 minuto e 2 segundo. Os demais candidatos, Rui Costa Pimenta (PCO), Zé Maria de Almeida (PSTU), Ivan Pinheiro (PCB), José Maria Eymael (PSOL) e Levy Fidelix (PRTB), terão apenas 56 segundos na televisão.

Diogo comenta as conseqüências de ceder mais tempo a alguns candidatos que a outros como um entrave para as mudanças. “Podemos argumentar que a concessão de um maior tempo aos que já possuem maior representatividade cria uma espécie de círculo vicioso: quem já tem continua tendo”, disse. Mas completa dizendo que a maneira como é feita essa divisão de tempo está de acordo com as possibilidades. “Sem perder de vista a polêmica intrínseca ao tema, acredito que o modelo atual representa uma boa forma dentro do possível”, opinou Diogo.

Os gastos

Segundo informações publicadas no site do Último Segundo, o horário eleitoral na TV vai consumir 3780 minutos ou o equivalente a 63 horas da programação. E todo esse tempo vai gerar um gasto de R$851 milhões.

A propaganda eleitoral na TV é chamada de gratuita porque os partidos bancam apenas os gastos com a produção do conteúdo, não pagam, portanto, pelo tempo de exibição. Quem arca com essa despesa é o contribuinte. Isso porque a União dá isenção fiscal proporcional ao valor que seria cobrado por inserções comerciais não obrigatórias. Em 2010, a estimativa é de que as emissoras deixarão de pagar 851 milhões de reais por causa da propaganda eleitoral.

Mas o fato de o eleitor custear a propaganda eleitoral gratuita tem seus fundamentos no modelo democrático. Segundo Diogo Tourino, “ao custear a propaganda eleitoral, concedendo tempo a partir da representatividade dos partidos nas urnas, a lei eleitoral tenta proporcionar um acesso o mais igualitário possível aos candidatos. Pense comigo, se apenas os que fossem capazes de pagar pelas próprias campanhas concorressem, teríamos tudo menos uma democracia. Sem falar, é claro, no que eu considero um dos grandes problemas da democracia hoje: a presença, cada vez maior, do dinheiro nas campanhas, tornando as eleições caríssimas”.

Matéria publicada no sítio JFnotícias.com (25 de julho de 2010).

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A internet nas eleições (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Olá, boa tarde! Muito tem se questionado sobre o uso dos novos recursos de comunicação nas próximas eleições. Falo, especialmente, da internet e das famosas redes sociais de relacionamento – orkut, facebook e twitter –, capazes de diminuir a distância entre o emissor e o receptor das informações, além, é claro, de dinamizar a comunicação. O caso concreto da eleição de Barack Obama nos EUA, onde a internet foi largamente utilizada na promoção das candidaturas, convidou especialistas em campanhas eleitorais e pensar sobre a possibilidade de se repetir no Brasil o chamado “fenômeno Obama”. Seguramente, os novos recursos de comunicação terão um papel significativo nas eleições de 2010. Não somente em relação à capacidade dos candidatos de atingir um público maior em menor tempo, ampliando seu “espaço” nos debates para além da propaganda eleitoral gratuita, como também na possibilidade mais igualitária de produção das informações. Isso porque, a internet caracteriza-se por uma ferramenta que permite que os seus usuários tornem-se emissores de informação, criando seus blogs, divulgando suas fotos e propondo suas críticas com o mínimo de conhecimentos técnicos. Hoje, mais do que nunca, podemos produzir informações sem sermos especialistas, o que torna, sem dúvida, o acesso ao debate político mais igualitário. No entanto, a velocidade com a qual novas mensagens são produzidas não é acompanhada da igual capacidade de assimilar tais informações. Todos os dias novas postagens em blogs e similares cobram do público uma atenção que por vezes não existe. Isso fará com que os tradicionais meios de comunicação – jornais impressos e televisivos, sem falar na odiada propaganda eleitoral gratuita – ainda sejam os principais mecanismos de divulgação das campanhas. Assim, rádio e TV atuarão como filtros, conferindo importância ao que será divulgado na internet. Nessa direção, as mensagens audiovisuais – tendo o youtube como fórum privilegiado – tendem a assumir o protagonismo. O mais importante nesse debate, contudo, é que o eleitor se conscientize do seu novo papel, menos passivo e cada dia mais ativo na formação da opinião. Se muito se critica os maus exemplos da política, que aproveitemos a internet para tornar as eleições o quanto mais o lugar dos bons exemplos, sugerindo, criticando, pensando, se ocupando dos problemas do nosso país. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A presença do "diferente"... (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Uma coisa me chamou a atenção no início oficial das campanhas eleitorais, ocorrido na semana passada: o que cada um dos três principais concorrentes – Dilma, Marina e Serra – fez no seu primeiro dia. Isso porque, já é opinião comum entre os analistas que Marina Silva, candidata pelo PV, representa algo diferente num cenário eleitoral muito marcado pelo igual. Não falo apenas da sua inscrição em temas pouco debatidos na agenda pública, como o meio ambiente, mas também da sua capacidade de mobilizar questões de grande relevância para a democracia no país, como o padrão de funcionamento do Estado brasileiro, provedor e não mobilizador. Boa parte das questões que em geral emergem nos programas e plataformas de campanha é quase consensual entre os candidatos, como a necessidade de investirmos mais em saúde, educação, segurança pública, apenas para citarmos alguns exemplos. Mais do que isso, depois de oito anos de governo Lula parece que nem o tão criticado programa de transferência de renda – o Bolsa Família – é sequer refletido em seu impacto real na diminuição da pobreza ante o receio da perda de votos decisivos nas regiões mais pobres do país. Todos são a favor de tudo de modo que a escolha do eleitor tem sido estimulada mais na direção de gerar empatia com este ou aquele candidato, ora contando com o carisma do presidente Lula, ora contando com a experiência do candidato José Serra, sem, no entanto, surgirem evidentes contrastes programáticos. A candidatura de Marina, porém, é mais uma prova de que acontecimentos aparentemente inofensivos podem num determinado momento causar “estragos” maiores, e seu primeiro dia de campanha atesta isso. Ao passo em que Dilma e Serra, apoiados em máquinas partidárias e poderosa militância, cumpriram um roteiro “padrão” com caminhadas e discursos, Marina visitou o primeiro comitê voluntário de sua campanha. Na sala da casa de uma família que espontaneamente abriu as suas portas, a candidata conversou com aqueles que serão sua base. O episódio recupera, a meu ver, um lado da política que parece ter se perdido em decorrência da proporção que as campanhas eleitorais, cada vez mais caras, assumiram. Não me posiciono em relação a qual candidato é melhor, nem ao menos palpito sobre qual vencerá. Afirmo, apenas, que Marina começa a politizar a eleição, mostrando que cidadãos brasileiros ainda estão dispostos para o exercício da “grande política”, infensa ao apequenamento que maus exemplos promovem. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Futebol, crime e política (Valor Econômico)

Luiz Werneck Vianna (UERJ e CEDES)

O assassinato de Eliza Samudio em que está envolvido como suspeito o goleiro Bruno, ex-capitão do Flamengo, vencedor do último campeonato brasileiro de futebol, não deve ficar confinado às páginas do noticiário policial. O horror que ele suscita por seu enredo escabroso, a história dos personagens, a gratuidade do crime, a forma da execução - os restos mortais da vítima foram lançados a cães para serem devorados -, a presença do mal em estado bruto, tudo isso reclama que se olhe para além das patologias dos indivíduos já indiciados como culpados. Em primeiro lugar para o clube, agremiação mais que centenária, e para a estrutura do futebol, o esporte de massas que é uma paixão nacional. Em segundo, para o tipo de sociabilidade selvagem, à margem da vida civil, que se reproduz em escala crescente e que encontra na cultura do narcotráfico e do consumismo, alçado a valor supremo, os seus paradigmas.

Bruno, um dos mais altos salários do seu clube, era uma liderança, portando a braçadeira de capitão por indicação de seus dirigentes, em que pese várias manifestações arrogantes de sua parte, inclusive nas relações com o seu técnico, e já se envolvera, com alguns colegas, em escândalos públicos em festas promovidas em domínios territoriais do narcotráfico. Em uma dessas ocasiões, proferiu uma declaração em que, explicitamente, admitiu ser normal a violência física entre casais, e, embora sua agremiação desportiva fosse dirigida por uma mulher - uma ex-atleta olímpica -, manteve a honraria da braçadeira.

Registre-se, ainda, que dois companheiros de clube, como o noticiário esportivo com frequência denunciava, eram contumazes participantes de pagodes em redutos do crime organizado, um deles fotografado ao lado de marginais armados com metralhadoras, o outro levado à polícia para esclarecer relações mercantis com notórias lideranças do mundo do tráfico em favelas cariocas.

Em todos os casos, o clube optou pela contemporização, em nome certamente de uma política de resultados, uma vez que esses jogadores se notabilizavam por seus feitos nas competições. E o que importa aí é deslocar o foco para a estrutura do nosso futebol, com sua organização autocrática, dominada por um vértice que se eterniza no poder, apenas orientada para a produção de vitórias nas competições, inteiramente arredia às possibilidades de fazer do futebol, com sua penetração capilar na vida do povo, um instrumento de educação de massas.

Para ela, o futebol do país se resume a ser mais um ator no processo de globalização dessa atividade esportiva graças à qualidade dos seus praticantes, um celeiro de craques de exportação. Nesse sentido, a expressão esportiva e cultural que ele representa se encontra crescentemente contaminada pela ameaça de ser submetida inteiramente à lógica mercantil. E não à toa não se pode mais descrever a sua história atual sem incluir o papel dos empresários no recrutamento de jovens jogadores talentosos que passam a administrar suas carreiras, relegando o papel das agremiações esportivas a um lugar subordinado, quando não inteiramente ausente, na sua formação como homens e cidadãos.

Os frutos bem-sucedidos desse sistema se convertem em mercadorias do mercado globalizado do futebol, as transferências para os milionários clubes europeus, para onde migram cada vez mais jovens, significando a realização de suas carreiras. Nada mais natural que seus praticantes, desde cedo sem tempo para se dedicarem aos estudos, encapsulados na bolha do mundo do futebol, manifestem fortes opções religiosas, em geral pentecostais, aí encontrando escoras emocionais que lhes permitam suportar as pressões do mercado que condiciona suas vidas.

Sem essas escoras, seus profissionais, com uma educação formal em geral precária, muitos vindos de lares destroçados – o caso de Bruno –, se veem à mercê da cultura do consumismo, o tempo livre de jogos e treinamentos dissipados em meio a uma legião de fãs, sua presença prestigiosa disputada em pagodes e orgias em que são convidados de honra. Os clubes, indiferentes ao comportamento dos seus profissionais, cerram os olhos a seus desvios de conduta, por sua vez prisioneiros da lógica de resultados que comanda o futebol. Assim, os clubes e seus heróis do maior esporte de massas do país, que poderiam exercer um papel na difusão dos valores civis na formação da juventude, tornam-se uma vitrine a estimular o hedonismo e o comportamento narcísico.

Futebol é cultura – no nosso caso uma de suas mais vigorosas manifestações –, fazendo as vezes de uma escola moderna em que se ensina a competir sob a jurisdição de regras interpretadas por um árbitro e que são de prévio conhecimento dos seus praticantes e do seu público. Atividade generalizada na juventude do nosso país, presente no mais remoto dos rincões, a política e os partidos não podem ser estranhos a ela, esperando-se da sua intervenção a criação de regras que venham a atuar no processo de formação dos seus profissionais, que chegam a ela, em muitos casos, como pré-adolescentes. De outra parte, cabe à opinião pública, reclamar que os clubes adotem padrões de conduta que impeçam os seus atletas de manterem relações privilegiadas com o submundo da criminalidade.

Entre tantos fatos estarrecedores no caso de Bruno, está a revelação de que ele estava conscientemente envolvido com personagens e com os padrões vigentes nas redes do crime organizado. Só faltou o uso de micro-ondas na eliminação da pobre Eliza para tornar ainda mais evidente as impressões digitais da cultura do narcotráfico nesse caso.

Publicado no Jornal Valor Econômico (12 de julho de 2010)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Quem tem medo, vence! (Tribuna de Minas - Corneteiro Convidado)



Na vulgata futebolística do brasileiro é quase certo ouvirmos frases como “é preciso ter respeito pelo adversário”, ou “jogo se ganha no campo”. Assertivas cautelosas dessa natureza – em cores mais agressivas, é certo – foram precisamente mobilizadas na última Copa, em 2006, quando a badalada Seleção Canarinho soube, novamente, perder para a França do magistral, e então polêmico, Zidane. Aliás, nunca me conformei com o fato de que o time francês conseguiu algumas de suas poucas glórias sobre o Brasil, mas isso é um assunto à parte. Há quatro anos foi a soberba o pecado cometido pelos selecionados brazucas, violação de tácitas normas do futebol popularmente conhecida como “salto alto”. Desse mal parece que a equipe comandada por Dunga não padece. Nosso técnico, calejado por juízos cruéis quanto ao seu modo austero de conduzir coletivas e treinamentos, carrega glórias, fracassos e, sobretudo, a experiência de três copas como jogador. Isso deu a ele algumas certezas, se é que coisas desse tipo são possíveis no futebol. Uma delas é saber que o sucesso de um time se faz no campo, a despeito da tietagem, dos flashes ou dos contratos de publicidade – ainda que ele próprio tenha firmado vários. Mas a maior conquista da Seleção Brasileira que disputa o torneio na África do Sul é, creio, a construção de um novo paradigma no futebol. Sempre ouvi, ao lado das frases difundidas que mencionei há pouco, reclames quanto à dificuldade de se jogar contra “times pequenos”. A melhor definição para essa categoria imprecisa talvez seja a covardia, o medo ante o adversário visivelmente mais forte. Pregar o respeito ao oponente, precaução que ainda defendemos, é uma coisa; ter medo é outra. Depois de quatro jogos foi isso que vimos em 2010: os impetuosos que resolveram jogar contra o Brasil de igual pra igual – Costa do Marfim e Chileperderam; os que tiveram medo e jogaram como “times pequenos”Coréia do Norte e Portugal – foram os únicos capazes de criar alguma dificuldade. Nas quartas de final enfrentaremos a Holanda, um time bem diferente daquele portentoso adversário do passado. Tanto em 1994, no gol do lateral Branco que desenhou uma curva nas costas do baixinho Romário, quanto em 1998, na inesquecível disputa de pênaltis inflamada pelo velho lobo Zagalo, a Holanda era um belo time. Hoje é burocrático, ainda que conte com a eficiência e o talento de Arjen Robben e Wesley Sneijder. Resta saber como se comportarão no jogo das quartas – com impetuosidade ou covardia – e se a máxima forjada pelo Brasil vale para todos. Acho que sim. Quem não tiver medo do Brasil, além do tradicional respeito, sofrerá as conseqüências de um time robusto e elegante na defesa – com Lúcio e Juan em alta forma –, além de ágil e fatal no ataque – com o trio Robinho, Kaká e Luis “Fabuloso”. Com isso até nos esquecemos do fraco meio campo. Meu palpite: contra a impetuosidade ganhamos fácil; contra o medo, passamos com dificuldade.

Publicado no Jornal Tribuna de Minas em 02 de julho de 2010 (dia da eliminação do Brasil) e escrito um dia antes.

Em tempo:

Como juízos pretéritos são sempre mais confortáveis do que previsões, confesso que errei. Mais do que isso, todos erraram... Mas talvez tenha sido melhor errar assim, acreditando no Brasil. De resto, concordo com as análises que crucificaram o técnico e o desequilibrado volante da seleção (me recuso a dizer o nome), bem como a "europeização" do futebol brasileiro. No meu artigo, escrito no dia anterior ao jogo, me descuidei de um detalhe: o fato de que nunca tínhamos estado atrás no placar, nem jogado contra "catimba" (holandês, Robben em especial, também "catimba"). Faltou drible, faltou arte... Sobrou para a Espanha que, justiça seja feita, pelo menos jogou mais "bonitinho" que os demais. Até a próxima.

Viçosa, 12 de julho de 2010.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A sociedade civil contra o pragmatismo (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! As alianças políticas que vão se estabelecendo para as eleições de outubro podem, em algum momento, incomodar o eleitor mais atento. Isso porque, imperativos práticos, pensados a partir da legislação eleitoral, e conseqüentes estratégias de campanha levam, por vezes, os candidatos a desrespeitar, para utilizarmos uma palavra leve, parceiros e bandeiras tradicionais. Não por acaso vemos, hoje, ao lado de Dilma Rousseff – candidata do Partido dos Trabalhadores e ex-militante da luta armada contra a Ditadura Militar – personagens do quilate de José Sarney (PMDB-AP), Jáder Barbalho (PMDB-PA), Fernando Collor (PTB-AL), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Anthony Garotinho (PR-RJ); bem como apóiam a candidatura de José Serra – ex-presidente da União Nacional dos Estudantes e ex-ministro do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso – ilustres figuras da vida pública brasileira como Roberto Jefferson (PTB-RJ), Joaquim Roriz (PSC-DF), Yeda Crusius (PSDB-RS), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Orestes Quércia (PMDB-SP), apenas para lembrarmos alguns nomes que, apesar do apoio declarado, não configuram companhias, digamos, ostensivas. Marina Silva (PV) certamente não sofre do mesmo problema, talvez por um motivo não perseguido: até o momento seu partido não conseguiu construir alianças, o que priva sua campanha de um maior espaço e, ao mesmo tempo, evita a presença de “fichas sujas” ao seu lado. A opinião publica pode, a partir dessa constatação, formar uma imagem muito negativa da política. Mas acredito que devemos, ao contrário, aproveitar o momento para refletir sobre a atual estrutura partidária brasileira, repensar a legislação eleitoral e, porque não, discutir mais política. Há muito os partidos políticos não orientam as disputas por programas que marquem traços distintivos, mas por laços pragmáticos e campanas personalistas em torno de figuras específicas. Tal comportamento vem sendo facilitado por uma legislação eleitoral que pouco se ocupa do fortalecimento dos partidos e conseqüente controle de desvios, bem como pela postura do próprio eleitorado que prefere se eximir de tais discussões quando as mesmas não lhes convêm. É preciso que nos concentremos mais nas eleições, cobrando posturas coerentes com os nossos posicionamos e debates acerca dos reais problemas da sociedade brasileira. Dessa forma, o conhecido pragmatismo que leva candidaturas a incorporação de personagens de alguma forma “banidos” pela opinião pública, terá que conviver também com uma sociedade civil pulsante que impõe suas bandeiras a despeito da inexistência delas no interior dos partidos. Mais uma vez repito: politizemos as eleições! Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.