quinta-feira, 29 de abril de 2010

A quem interessava a candidatura de Ciro? (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Na última terça-feira (27/04/2010) o Partido Socialista Brasileiro (PSB) decidiu não lançar a candidatura do deputado Ciro Gomes (CE) para a presidência da República. Ainda que a notícia não seja propriamente uma surpresa – e quando falamos de política quase nunca é –, ao oficializar sua posição o PSB torna mais claro o horizonte da próxima disputa. O partido agora encerra os ataques que Ciro vinha fazendo a todos, inclusive contra o presidente Lula, e negocia o apoio a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff (PT). Setores da opinião apontaram na decisão do PSB um elemento negativo para a democracia, associando a retirada da candidatura a uma possível interferência de Lula na composição da disputa. Eu particularmente acredito que essa suposta interferência ocorreu e mais, defendo que não é exclusividade do presidente e nem novidade nas eleições. Além disso, a construção de coalizões é prevista num processo democrático, desde que respeite as regras do jogo e não utilize de mecanismos ilícitos para impedir a entrada de novos personagens na disputa. Ao que parece, foi isso que Lula fez: negociou com o PSB, dentro de práticas toleráveis, o apoio do partido e a suspensão dos ataques direcionados ao PT. Até aqui, não vejo problema. Respeitado o princípio formal de que todos os partidos são livres para apresentar, desde que queiram, suas candidaturas podemos, então, se preocupar com outras questões. Uma delas é pensar o que levou o PSB a tomar tal decisão? Ou, dito de outra forma, por que o PSB assumiria uma postura diferente? A quem interessaria a candidatura de Ciro? Creio que apenas ao próprio Ciro. Lula poderia, numa atitude “ardilosa”, sustentar a entrada do PSB no pleito com o objetivo de desestabilizar a campanha de José Serra (PSDB). Poderia, caso Ciro não tivesse se tornando tão agressivo e pouco criterioso nos ataques, incluindo como alvos Dilma e o próprio Lula. Isso teria feito com que sua candidatura fosse desinteressante quando comparada ao apoio que o PSB pode conceder. Ciro Gomes errou ao tornar sua intenção mais um projeto de vaidade pessoal do que a vocalização de uma alternativa aos nomes em disputa. Sem falar, é claro, não ser ele um bom candidato. Ciro é intelectualmente capaz, administrativamente eficiente, mas politicamente rude. Não dá para ganhar uma eleição assim. Todos esses fatores pesaram na decisão do PSB: um candidato ruim, em certo ponto vaidoso, contra a entrada num barco que até pode afundar, mas por agora não dá sinais. Acho que a decisão foi, nesse caso, fácil. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna
Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Liberdade e autonomia na escolha (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Uma das novidades para as próximas eleições será a participação de presos provisórios nas votações, conforme estabelecido por resolução do Tribunal Superior Eleitoral no mês passado. A decisão se justifica, dentre outros motivos, pela tentativa de promoção da cidadania, levando aos presos provisórios direitos e deveres fundamentais. No entanto, precisamos ficar atentos, pois qualquer alteração nas regras do jogo político acarreta conseqüências nem sempre desejáveis. O fato de que presos poderão votar levanta algumas questões importantes, não necessariamente previstas pela resolução do TSE, tais como: os presos terão acesso às informações sobre os candidatos? Esse número de “novos” eleitores é expressivo a ponto de influenciar o resultado da disputa? Os candidatos e marqueteiros estarão atentos ao novo contingente eleitoral, abarcando em suas plataformas e estratégias também os interesses dos presos provisórios? Creio que essas questões, ainda que cruciais para o funcionamento da democracia, não receberam o devido tratamento até então. As escolhas eleitorais – e isso embasa boa parte da crítica que fazemos aos eleitores brasileiros – necessitam, como condicionante básico, de boa informação. A cada eleição ouvimos analistas, a imprensa, líderes de movimentos sociais, a Igreja e outros, reafirmarem a falta de informação como um dos motivos para a recondução de políticos corruptos, envolvidos em escândalos ou mesmo omissos. Daí permanece a questão: os presos estarão bem informados? Certamente, a inclusão dessa parcela da população é positiva ao obrigar a política a refletir sobre os interesses e problemas da comunidade carcerária, historicamente submetida a um sistema de exclusão e alijada, antes mesmo da prisão, de direitos básicos da cidadania. Sem falar, é claro, da tentativa louvável do sistema prisional e da justiça de reformular suas práticas para recuperar pessoas e reinseri-las na sociedade. Porém, uma questão me incomoda: como ficará a autonomia da escolha, a liberdade do voto? Basta lembrarmos que nas últimas eleições o TSE impediu, para espanto dos desavisados, o uso de celulares nas cabines de votação. O motivo: chefes de milícias, em regiões onde a estado de direito é rarefeito e a lei vaga, anunciaram que obrigariam os eleitores a votar em seus candidatos, provando, sob pena de repressão, ter cumprido as ordem por meio de fotografias das urnas tiradas pelos celulares. A justiça impediu a entrada dos aparelhos visando conferir autonomia aos eleitores. E como fica a população carcerária? Todos têm notícia do que ocorre dentro das cadeias. Convido vocês a pensar a que sorte de perigos estarão sujeitos os presos se os criminosos que reinam dentro das prisões do país resolverem, sabe-se lá porque, obrigar o “novos” votantes a escolher seus candidatos. Tomara que a justiça eleitoral esteja atenta a isso e projeta também os eleitores encarcerados. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Duas candidaturas? (Tribuna de Minas - Juiz de Fora)

Raul Francisco Magalhães - Cientista Político (UFJF)

É comum perceber no tratamento jornalístico das eleições e em vários analistas que publicam suas opiniões sobre a disputa de 2010 que estamos diante de apenas duas candidaturas que merecem ser consideradas para o debate. O problema não é novo, nem exclusivo do Brasil, onde há sempre candidatos trazendo temas para a arena política que são, porém, reduzidos pela mídia a um número menor, geralmente dois, que merecem a cobertura da imprensa e a atenção dos cientistas políticos.
No momento, temos a velha reedição de tese de que o Brasil tornou-se, na prática, um tipo de bipartidarismo, com o PT e PSDB aglutinando as forças capazes de dar forma ao país. Tudo mais é acessório, ou mesmo oportunismo de outros candidatos que usam a sua pequena parcela de aparição para viabilizar projetos pessoais. Penso que essa forma de ver a democracia, sobretudo de se analisar a disputa, é adequada apenas aos interesses dos partidos dominantes, além de empobrecedora da própria democracia brasileira.

O fato de haver posições minoritárias não significa que elas não sejam portadoras de virtudes públicas para a sociedade no sentido de que propõem alternativas fora do grande e falso consenso que nos manda resolver o Brasil com uma das duas grandes legendas. Isso é falso primeiramente porque o Brasil é, de fato, um pluripartidarismo na operação do dia a dia da política, nenhum partido governa sozinho, e também é falso na competição eleitoral: todos são obrigados a alianças se quiserem vencer. Além disso, é falso ainda se imaginarmos que a sociedade brasileira pode ser amplamente contemplada em duas legendas e que o debate sobre nosso destino prescinde de ideias novas, que hoje são pouco reverberadas pelo debate público, dominado pelos grandes atores e sancionado pela grande mídia. Em terceiro lugar, e no meu entender mais importante, essa perspectiva reducionista é normativamente falsa, quero dizer, é inadequado para qualquer democracia imaginar cenários nos quais as escolhas eleitorais tenham suas alternativas artificialmente reduzidas.

O contraexemplo da democracia na América do Norte merece ser lembrado: mesmo lá há quem atribua a disputa dicotômica entre republicanos e democratas a um arranjo que não contempla a diversidade do país, que vive sob o controle de um jogo histórico de grandes facções que comandam os dois partidos. Voltando ao Brasil, nossa democracia tem gerado um quadro complexo de questões e atores com posições importantes para um debate político produtivo, e penso que o eleitor e os analistas que tentam esclarecê-lo deveriam considerar mais perspectivas, tornando a reflexão sobre o momento realmente capaz de esclarecer as alternativas de voto.

Fonte: Jornal Tribuna de Minas - JF, seção opinião (publicado em 09/04/2010).

O artigo rebate o enquadramento dado por mim em texto publicado na mesma seção no dia 31/03/2010 e postado neste blog: Quem queima a largada... ganha!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ficha limpa: corrupção ou moralismo? (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Ontem a Câmara dos Deputados decidiu, para a surpresa de poucos, adiar a votação do projeto de lei que torna inelegíveis candidatos condenados em primeira instância, desde que a decisão tenha sido tomada por um colegiado de juízes. Na prática, o projeto, fruto de uma iniciativa popular que já conta com mais de 1 milhão e meio de assinaturas, voltará para a Comissão de Constituição e Justiça para ser analisado e, só então, seguirá para votação o que pode inviabilizar sua implementação ainda este ano. Ao que tudo indica a proposta não valerá para as próximas eleições. Confesso não ser um entusiasta da chamada “ficha limpa”, muito mais pela ineficácia da proposta do que por sua intenção. Mesmo assim, a decisão de ontem ensejou declarações problemáticas e positivas, dos personagens menos esperados, que merecem alguns comentários. A bancada governista se opõe ao projeto pelo argumento mais óbvio, mas não menos relevante, que denuncia o ambiente político presente em alguns tribunais regionais, o que faria com que disputas eleitorais fossem impedidas por meio de decisões judiciais partidarizadas. Lembro os ouvintes que na história deste país a nomeação de juízes e delegados de policia já foi ponto de disputa política em diversas localidades, prerrogativa reivindicada pelos chefes políticos locais junto aos caciques estaduais e nacionais com o objetivo de manter sob seu controle cidades inteiras. Páginas nada honrosas da nossa história que chegaram aos nossos ouvidos por meios de expressões como coronelismo, voto de cabresto, dentre outras. Mas foi a declaração do deputado João Pizzolatti, para a surpresa de muitos do PP de SC, que mais me chamou a atenção. Alertando para a impotência do congresso ele disse: "Ou vamos fazer política, ou vamos fazer um projeto legal". Achei curioso, pois esse é precisamente o meu incômodo em relação ao projeto, ainda que eu tenha muitas reservas quanto ao deputado mencionado. Todos estão de acordo quando o assunto é combater a corrupção. Mais do que isso, o aparato punitivo tem respondido positivamente nos processos de cassação por compra de votos, por exemplo, ainda que tenhamos muito que melhorar. Preocupa-me, apenas, imaginar que o Congresso mais uma vez se esquiva de debates cruciais para o controle da corrupção, como financiamento de campanhas, e se prende em saídas midiáticas e, por que não, moralistas. Nenhuma reforma política será perfeita e mesmo a “ficha limpa” ainda dependerá de uma justiça honesta e eficaz. Por isso, é preciso que o eleitor se conscientize da importância do seu voto e puna candidatos ruins nas urnas. Também sou contra a corrupção, mas receio que a política nas mãos de juízes não seja necessariamente o melhor caminho. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna
Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A política como fabulação e fantasia - em homenagem a Gilberto Barbosa Salgado (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Talvez o grande desafio daqueles que resolvem falar sobre política seja lidar com a história em movimento, lidar com o tempo presente. Vários foram os que ao longo dos anos nos alertaram para os perigos e armadilhas que só se tornam cristalinos quando olhamos para trás, como se os acontecimentos estivem sempre na espreita para surpreender mesmo os mais atentos. Quando tentamos entender a política a cobrança por essa visão de longo prazo se impõe, tornando os acontecimentos cada vez mais pesados, dotando a história de uma densidade inconteste. Bom seria se pudéssemos sempre olhar para trás, ainda que isso aceite, também, seus erros, mas ao menos nos enganaríamos com a aparente neutralidade daqueles que falam sem envolvimento. Melhor seria, quem sabe, se a ciência política fosse uma ciência exata, onde equações simples encontram respostas óbvias. Eu acho que não! A beleza da política sempre foi a imprecisão, sempre foi falar sobre algo que pode ser melhor, de um mundo que mesmo não existindo pode animar seres de carne e osso a viver por um futuro melhor. Que triste seria a vida organizada na falta da imaginação; que triste é a vida dos que acreditam que a verdade fala por si só, como se os homens não tivessem suas vontades, suas opiniões. Ainda que precisemos discutir coisas práticas, como reforma política, projeto ficha limpa, controle da corrupção, torço para que nunca aceitemos essas coisas como naturais, como verdades dadas que tiram de nós o poder de transformar a vida para melhor.

Peço licença aos ouvintes para dedicar esta coluna a Gilberto Barbosa Salgado. Professor, amigo, incentivo profissional e intelectual, alguém que aceitava o desafio de falar do mundo como fabulação e fantasia. Em sua memória, ofereço. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.