sexta-feira, 9 de abril de 2010

Duas candidaturas? (Tribuna de Minas - Juiz de Fora)

Raul Francisco Magalhães - Cientista Político (UFJF)

É comum perceber no tratamento jornalístico das eleições e em vários analistas que publicam suas opiniões sobre a disputa de 2010 que estamos diante de apenas duas candidaturas que merecem ser consideradas para o debate. O problema não é novo, nem exclusivo do Brasil, onde há sempre candidatos trazendo temas para a arena política que são, porém, reduzidos pela mídia a um número menor, geralmente dois, que merecem a cobertura da imprensa e a atenção dos cientistas políticos.
No momento, temos a velha reedição de tese de que o Brasil tornou-se, na prática, um tipo de bipartidarismo, com o PT e PSDB aglutinando as forças capazes de dar forma ao país. Tudo mais é acessório, ou mesmo oportunismo de outros candidatos que usam a sua pequena parcela de aparição para viabilizar projetos pessoais. Penso que essa forma de ver a democracia, sobretudo de se analisar a disputa, é adequada apenas aos interesses dos partidos dominantes, além de empobrecedora da própria democracia brasileira.

O fato de haver posições minoritárias não significa que elas não sejam portadoras de virtudes públicas para a sociedade no sentido de que propõem alternativas fora do grande e falso consenso que nos manda resolver o Brasil com uma das duas grandes legendas. Isso é falso primeiramente porque o Brasil é, de fato, um pluripartidarismo na operação do dia a dia da política, nenhum partido governa sozinho, e também é falso na competição eleitoral: todos são obrigados a alianças se quiserem vencer. Além disso, é falso ainda se imaginarmos que a sociedade brasileira pode ser amplamente contemplada em duas legendas e que o debate sobre nosso destino prescinde de ideias novas, que hoje são pouco reverberadas pelo debate público, dominado pelos grandes atores e sancionado pela grande mídia. Em terceiro lugar, e no meu entender mais importante, essa perspectiva reducionista é normativamente falsa, quero dizer, é inadequado para qualquer democracia imaginar cenários nos quais as escolhas eleitorais tenham suas alternativas artificialmente reduzidas.

O contraexemplo da democracia na América do Norte merece ser lembrado: mesmo lá há quem atribua a disputa dicotômica entre republicanos e democratas a um arranjo que não contempla a diversidade do país, que vive sob o controle de um jogo histórico de grandes facções que comandam os dois partidos. Voltando ao Brasil, nossa democracia tem gerado um quadro complexo de questões e atores com posições importantes para um debate político produtivo, e penso que o eleitor e os analistas que tentam esclarecê-lo deveriam considerar mais perspectivas, tornando a reflexão sobre o momento realmente capaz de esclarecer as alternativas de voto.

Fonte: Jornal Tribuna de Minas - JF, seção opinião (publicado em 09/04/2010).

O artigo rebate o enquadramento dado por mim em texto publicado na mesma seção no dia 31/03/2010 e postado neste blog: Quem queima a largada... ganha!

Um comentário:

Jota Oliveira disse...

Caríssimos,

Venho acompanhando principalmente a mídia impressa (O Globo) e o noticiário da TV aberta, claro - JG, Jornal da Band - às vezes, JN e o Canal Livre da Band também, aos domingos. Nunca apoiei o PT exatamente, pois participei do movimento estudantil e percebi todo o embaraço que "destrancende" a política e que o sistema partidário só aumenta. Sei muito bem que a eleição é uma democracia de fachada que faz o cidadão querer crer que decide algo - porém, participa de uma aposta para saber quem é que vai controlar o dinheiro - a quem o bolo da máquina burocrática irá servir, a esse ou aquele partido, a essa ou aquela coalizão.
A dicotomia do debate federal fere ainda mais algumas verossimilhanças bastardas e personalizadas pela mídia. Tanto o PSDB, quanto o PT são altamente fragmentados e falhos. A adesão ao poder levou àqueles que quisessem ou fossem fracos, à corrupção - não simplesmente essa que aparece na TV e se parece com roubo de dinheiro - mas talvez, em toda a corrupção entranhada nos acordos e nas persuasões.
Mas toda essa discussão de moralidade política já veio fundamentada por Weber, uma espécie de Nostradamus da maneira política brasileira. Burocratas desmotivados pelo poder coercitivo invisível do Estado e outros tantos aderindo às próprias causas. De tanto acostumados aos cargos públicos, com apoio se elegem ao legislativo e, claro, abrem vaga para mais um "apadrinhado". Da mesma forma, os partidos políticos servindo aos interesses daqueles poucos homens que se misturam em favor de um ideal comum e, outros milhares individuais.
A mídia, em geral, está fragmentada pelas editorias. O interessante é que dentro das próprias editorias de jornalismo, existe certa independência para a escolha de cada lado - como se se houvesse apenas essa opção - dois lados. Mas, por exemplo, no jornal O Globo, apenas uma vez vi a foto da candidata Marina. Estava na parte debaixo da 1ª página, mas estava lá. A capa era uma leve ironia com as inaugurações fajutas dos dois lados - lá embaixo, uma foto grande e bonita, com uma frase do tipo "enquanto isso..." e Marina participando de um evento para discutir seus projetos.
O que vejo são jornalistas que se posicionam abertamente e transmitem as notícias como se fossem imparciais. Eles querem crer que são imparciais – mesmo que o que esteja na jogada seja uma história muito mais interacionista do que se imagina. As atuais empresas de mídia fazem um estardalhaço silencioso e perigoso através de seus programas jornalísticos e por que não, de suposto entretenimento, onde tentam acusar o Estado de querer impor censura em seu conteúdo. Entretanto, vale lembrar que além das propostas serem gerais e debatidas em um inédito Fórum de Comunicação federal – isso é democracia! – a corporações têm receio de perderem os espaços que conquistaram ao longo dos tempos, pois o poder paralelo que possuem, seja transmitindo as notícias, seja organizando padrões de comportamento, está se tornando algo muito além do Estado – o que não teria qualquer problema, se esta fórmula não estivesse sempre associada a uma manipulação de massa a partir do massacre cultural – todo mundo sabe da necessidade de renovação e a primeira delas, é a abertura de um debate realmente justo com a democracia que vendem para nós. É hora de lutarmos realmente pelo voto livre, pela reforma eleitoral e, principalmente, por uma proposição real de ideias e, além disso, conhecimento do que é e do que pode vir a ser o Brasil. Sempre falo em sala de aula: “É bem provável que sejamos a nação mais próspera em riquezas naturais e humanas, o que iremos levar ao mundo – já que ele estará nos ouvindo? A mulher será sempre a puta e o homem o burro, jogador de futebol ou o ladrãozinho esperto? Existe gente inteligente por aqui? Pessoas cultas, artistas sofisticados, homens e mulheres sábios? Existe político que politiza de verdade? Existe?“