sexta-feira, 20 de agosto de 2010

As eleições, suas histórias e seus personagens (Caderno Voto de Cidadania - Tribuna de Minas)

Eleições contam, por vezes, histórias muito particulares. Não por acaso, aqueles que se ocupam da política convivem com a imprecisão dos diagnósticos e o risco do erro como desafios na construção de cenários sobre o resultado do pleito e, porque não, estratégias privilegiadas na conquista do voto e sedução do eleitor. Contexto esse que forja a importância de marqueteiros, publicitários, jornalistas, caciques políticos, lideranças partidárias e toda sorte de analistas que se apresentam a cada processo eleitoral anunciando sofisticadas leituras sobre o porvir.

Resultado positivo da consolidação da democracia entre nós, sucessivos processos eleitorais têm permitido que um cenário de longa duração sobre o comportamento do eleitor brasileiro seja desenhado, ainda que o balanço final aponte mais singularidades do que generalizações. Com efeito, o risco do erro não nos impede de tentar, novamente, clarear um horizonte que naturalmente se revela, dia a dia, ao eleitor comum. Se eleições contam histórias, quais seriam as últimas?

Em 1994 e 1998 dois capítulos de um mesmo enredo concorreram para a vitória de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), alicerçada na tão perseguida segurança monetária que o bem sucedido Plano Real promoveu. Já em 2002 e 2006, Lula (PT), que havia acumulado três derrotas, capitaliza a onda da mudança associada, é claro, ao tema da estabilidade assegurada pelas conquistas anteriores. Ambos foram, ao seu modo, os protagonistas corretos nos cenários dados, análise mais cômoda agora do que antes.

Hoje, mesmo nos eximindo de eleger quem será o protagonista em 2010, a tônica da história que se anuncia no horizonte parece certa: a ascensão social. Nos últimos anos testemunhamos uma substantiva transformação na estrutura da sociedade brasileira, processo que elevou o nível de renda das populações mais baixas que passaram, com isso, a cobrar inserção em círculos de consumo para além dos produtos básicos. Mais do que vestuário, alimentação e meios de comunicação, o aumento do poder de compra de parcela significativa dos brasileiros impôs o alargamento do status da defasada classe média, manifesto de maneira exemplar pela ampliação do ensino de nível superior. O governo Lula não é o único responsável pelo processo, mas talvez seja quem melhor compreendeu os anseios dessa nova classe social, carente de uma inclusão complexa, ao ampliar programas assistenciais sobre os quais não cabem, aqui, maiores comentários.

O fato é que transcorridos quase 8 anos de governo o índice de popularidade do presidente e a conseqüente aprovação da gestão, associado a toda a literatura sobre voto retrospectivo com fundamento econômico no Brasil, sugere que a capacidade de transferência de votos de Lula pode, como as pesquisas vêm confirmando, eleger Dilma Rousseff (PT). Se ela será ou não a protagonista do próximo capítulo podemos responder a partir do enquadramento do seu principal oponente nas pesquisas. José Serra (PSDB) curiosamente enfrenta, mais uma vez, o desafio de se colocar contra a tônica do presente. Em 2002 defendeu a continuidade, quando o clima era de mudança; hoje defende a mudança quando o clima é de continuidade. Sua tarefa é ainda mais inglória quando pensada a partir da evolução da candidata do governo nas pesquisas, cenário que cobra dele atitude na reversão do quadro e dela apenas passividade ante a maré favorável.

Decerto a eleição não acabou, mesmo porque na cabeça do eleitor comum ela mal começou. O início da propaganda eleitoral gratuita ainda representa o marco de largada do processo para a grande maioria. Com ele, outras candidaturas podem ganhar relevo, assim como posições bem demarcadas na cabeça dos que se ocupam da política podem ser compreendidas pelos demais. Resta sabermos se a história a ser contada no futuro trará algo além da positiva consolidação da democracia entre nós, ou se a tônica anunciada se confirmará com os personagens óbvios.

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2010.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

As eleições e suas histórias (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! As eleições contam, quase sempre, histórias muito particulares. Não por acaso, aqueles que se ocupam com a política tentam, muitas vezes sem sucesso, antecipar qual será a história da próxima disputa. Mesmo que as apostas sejam incertas, acredito que a tônica do processo eleitoral presente já esteja bem definida, como podemos observar na propaganda eleitoral gratuita que começou na última terça-feira. O presidente Lula disse, em entrevista à revista Istoé, estar muito satisfeito com o fato de que vivemos uma disputa eleitoral na qual nenhum dos concorrentes se coloca contra ele e o seu governo. Sem dúvida, Lula também defende seus interesses nas eleições em curso, tem sua candidata, está do lado de alguém. Mas sua declaração aponta uma interessante pista para entendermos porque todos os candidatos – inclusive aos cargos dos executivos estaduais, Senado e deputados – reivindicam o seu legado. Em 1994 e 1998, o controle da inflação garantido pelo sucesso do Plano Real deu a Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a vitória. O próprio Lula afirma que naquela situação qualquer um seria derrotado, não por FHC, mas pelo Plano Real. Em 2002 e 2006, o clamor pela mudança, com a manutenção da estabilidade conquistada nos anos anteriores, fez de Lula (PT) o presidente da República. Depois de acumular três derrotas, Lula aceitou os termos da disputa na sua famosa “Carta ao povo brasileiro”, onde tranqüilizou o mercado e a sociedade como um todo, sagrando-se vencedor do pleito. Naqueles anos, bem como nos anteriores, as eleições tinham uma tônica e qualquer candidato que se colocasse contra ela seria derrotado. Em 2010, novamente, o enredo está dado e o tema será a ascensão social. A transformação estrutural pela qual a sociedade brasileira passou nos últimos anos vem fazendo com que uma enorme fatia da população reivindique inclusão, aumento do poder compra, ensino superior, igualdade. Uma inclusão complexa que me parece ter sido muito bem compreendida pelo governo Lula. Isso faz dele um legado invejável por todos os candidatos. Isso faz, como vimos no início da propaganda, que mesmo o candidato da oposição José Serra (PSDB) se colocar numa linha de continuidade do governo atual. Serra, aliás, enfrenta a inglória tarefa que enfrentou no passado em chave oposta: se em 2002 o tema era a mudança, ele defendia a continuidade; hoje, quando a opinião pede a continuidade, ele tem que disfarçar o fato de que seu nome sugere a mudança. Resta sabermos se a história a ser contada no futuro trará algo além da positiva consolidação da democracia entre nós, ou se a tônica anunciada se confirmará com os personagens óbvios. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O "ficha limpa", suas conquistas, seus limites... (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Nos últimos meses chamei a atenção para possíveis problemas no projeto de lei que torna inelegíveis candidatos condenados por um colegiado de juízes, popularmente conhecido como lei da “ficha limpa”. Em momento algum defendi a corrupção na política e entendo agora, como antes, que qualquer medida honesta no sentido de combatê-la é positiva. Minha preocupação, no entanto, se devia ao fato da lei da “ficha limpa” sugerir que a corrupção é um mal exclusivo da política, como se juízes fossem preenchidos apenas de virtudes e o Judiciário, enquanto instituição, não carregasse também os seus problemas. Mais do que isso, o modo como o projeto foi conduzido nos debates públicos me incomodou ao impedir que críticas e questionamentos fossem levantados, sob pena de sermos acusados de coniventes com o problema. Fato é que o projeto foi aprovado e agora, nas eleições que se aproximam, testemunharemos seu impacto nas regras do jogo eleitoral. Ainda que os diagnósticos do presente comportem imprecisões, acredito que já podemos avaliar alguns dos seus resultados. A lei da “ficha limpa” é bem sucedida em vários aspectos. Primeiro porque é fruto de uma mobilização, mesmo que com forte teor “moralista”, da sociedade civil. Se a história da política brasileira é marcada pela dependência do Estado na concessão de direitos, desta vez não foi assim. A lei nasceu da mobilização da sociedade, por meio da internet e demais veículos de comunicação, demonstrando vigor na construção da agenda pública. Segundo, o projeto figura como uma espécie de experimentalismo num tema complicado. Há tempos ouvimos notícias sobre a necessidade da reforma política, carência a qual o Congresso tem se mostrado incapaz de resolver. Talvez a tentativa de experimentarmos arranjos para incrementar práticas democráticas seja um caminho. Se a experiência for mal sucedida, voltamos atrás. Mas por que não experimentar? Por último, políticos notoriamente corruptos, sobre os quais a opinião pública já emitiu os seus juízos, estão agora sendo impedidos de registrar suas candidaturas. Lembro do caso do candidato ao governo do DF, Joaquim Roriz, protagonista de vários escândalos na recente democracia que agora enfrenta dificuldades em vista da lei da “ficha limpa”. Entretanto, nem tudo são flores. Não podemos nos descuidar dos desafios que a lei não será capaz de superar. E o principal deles é o incremento da cultura cívica no exercício do voto e a correlata valorização da política. Um bom exemplo é dado pelo próprio Roriz, corrupto condenado pela Justiça brasileira, que contava até o momento da cassação do seu registro com a ampla maioria das intenções de voto no DF. A pergunta, a meu ver, é por que um mau político ainda consegue se eleger no Brasil? Por que precisamos da Justiça para filtrar as impurezas que somos incapazes de discernir nas urnas? Acredito que devemos no ocupar também com o bom exercício da nossa soberania. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.