quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um inventário das melhoras (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! O episódio do suposto dossiê contra candidato José Serra (PSDB) – que não chegou a ser produzido, mas “proposto”, segundo delatores – sintetiza o que há de pior e, porque não, melhor na democracia brasileira. Certamente, a utilização de estratégias obscuras, que desrespeitam o Estado de direito democrático, produzindo informações por meio de grampos ilegais, espionagem e toda sorte de “maracutaias” com o objetivo de desestabilizar concorrentes é condenável sob todos os aspectos. E o foi! Esse é, na minha opinião, o lado positivo do evento desencadeado pelas acusações do ex-delegado da Polícia Federal, Onézimo Souza, o “araponga” da vez. Lembro os ouvintes que, não faz muito tempo, visitaram os noticiários outros, digamos, “agentes secretos” afeitos a intervenções, ora bem intencionadas, ora escusas, que sob a alegação de defender a democracia lançaram mão recursos nada democráticos em sua cruzada, abrindo questionamentos sobre o limite e alcance de suas ações no cenário nacional. Talvez o episódio mais marcante tenha sido protagonizado pelo delegado Protógenes na prisão do banqueiro Daniel Dantas, “arapongagem” clássica que, na defesa de alguns, estava eivada de boas intenções. Mas o maior escândalo da política brasileira da última semana – perdoem-me a ironia – trouxe consigo a marca da vergonha: ninguém quer assumir que fez – se é que algo foi feito – e, mais do que isso, todos cobram a intervenção da Justiça e dos seus aparatos investigativos para, com isso, provar a própria inocência. Há alguns anos neste país seguramente não teríamos sequer conhecimento de manobras dessa natureza e hoje os envolvidos, acusados, delatores, responsáveis, ou qualquer papel que efetivamente tenham ou venham a ter cobram, em uníssono, investigações. Considero isso um dado positivo do fortalecimento da sociedade civil, nos termos do pensador italiano Antonio Gramsci – falecido em 1937 –, que defendia a necessidade tornarmos robustos os aparelhos de produção de opiniões concorrentes no interior da sociedade, fazendo com que os indivíduos sejam cada vez menos reféns do Estado. O suposto dossiê só se tornou uma “batata quente” pulando de mão em mão, porque sua existência é vergonhosa ante uma sociedade civil que condena práticas dessa natureza. Agora o PT, que era acusado, passa a acusar o PSDB e assim por diante, todos correndo do possível rótulo de corruptores da democracia. O importante é aproveitarmos tais episódios para tornar as eleições cada vez mais o lugar da política. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O dinheiro nas eleições... (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Os números divulgados esta semana, sobre o montante previsto de gastos para as próximas eleições, são assustadores e merecem maior atenção daqueles que se ocupam com o tão desgastado tema da reforma política. Estima-se que as campanhas este ano custarão algo em torno de R$ 600 milhões. Em termos comparativos, quando Lula foi eleito em 2002, sua campanha declarou ter gasto R$ 39,3 milhões, tendo seu oponente à época, José Serra, gasto R$ 34,7 milhões. Já em 2006 as despesas declaradas aumentaram exponencialmente, indo para R$ 168 milhões declarados por Lula em sua reeleição, e R$ 160 milhões por Alckmin. Este ano, a previsão é que as duas candidaturas de maior investimento, Dilma e Serra, consumirão entre R$ 200 e 250 milhões, nos alertando para a necessidade de revermos o modo como as campanhas têm sido feitas. A presença do poder econômico nas eleições merece atenção, pois inaugura uma relação perigosa para a vida republicana ao atrelar interesses de privados ao mundo da política. Basta imaginarmos alguns cenários, nada distantes da realidade de muitas cidades pelo país: se numa eleição municipal, por exemplo, o dono de um posto de gasolina doa dinheiro para um candidato, não será surpresa se no decorrer do governo, caso eleito, o candidato tenha, no mínimo, “dificuldades” em lidar com os interesses do empresário em questão quando o assunto for a compra de combustíveis para a prefeitura. Mesmo porque, todos sabemos que existirão outras eleições e, por conseguinte, a necessidade de mais e mais ajuda nessa escalada crescente de campanhas cada vez mais caras. Convido o ouvinte, agora, a imaginarmos o mesmo cenário em nível nacional: quantos benefícios não pode ter uma empresa que firma com o governo federal um contrato de publicidade, por exemplo? Não faço nenhuma crítica em particular, apenas elucubrações... Sei que o aumento dos gastos declarados pode ser decorrente do próprio incremento da fiscalização pelos tribunais eleitorais, como o cerco ao caixa dois em campanhas iniciado a partir do que ficou conhecido como escândalo do “mensalão”. Além disso, os candidatos costumam jogar a previsão de custos para cima, pois gastar menos do que o previsto não acarreta punições, ao passo em que gastar mais do que o previsto sim. De qualquer forma, temos aí um problema central nas democracias e para o qual não vemos disposição da classe política para enfrentá-lo: como controlar a entrada do poder econômico na política, casamento iniciado já nas eleições e que atrapalha o exercício republicano do governo? Essa sim é uma boa questão e, na minha opinião, seria mais eficaz no combate à corrupção do que boa parte das medidas que temos visto, ou moralistas, ou superficiais. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A sucessão e o banho de lua (Valor Econômico)

Luiz Werneck Vianna (CEDES/IUPERJ)

Tal como no belíssimo romance "O Albatroz Azul", de João Ubaldo Ribeiro, em que o nascimento de uma criança é bafejado pelo sortilégio dela ter vindo ao mundo de bunda para a lua, feliz augúrio, conforme antiga crença, de que ela seria dotada de melhor sorte do que a sua sofrida família, já dá para suspeitar que algo com o mesmo condão propício se faz presente no governo Lula. Só mesmo a proteção do destino seria capaz de reverter o que parecia ser uma aposta grávida de perigos, como a cartada iraniana da diplomacia presidencial, em um trunfo promissor para o sucesso dessa intervenção em paragens tão distantes como as do Oriente Médio.

Pois foi o que aconteceu a partir dessa malfadada e iníqua agressão praticada por forças militares de Israel contra uma flotilha de voluntários que tentavam levar solidariedade à população palestina da Faixa de Gaza, e que pôs a nu os equívocos cometidos pelos dirigentes daquele Estado quanto à sua política para a sua região, suscitando um clamor de protestos da comunidade e da opinião pública internacionais. A mesma boa sina socorreu o presidente quando do episódio do mensalão em 2005, do qual saiu indene de uma avalanche de denúncias de corrupção contra o seu governo para uma consagradora reeleição no ano seguinte.

A calmaria em que transcorre a sucessão presidencial, desconhecendo, ao menos até aqui, duros antagonismos entre os três principais candidatos envolvidos, assemelhados em tantos aspectos cruciais, podem sugerir de que estamos a assistir a uma disputa entre alas de um mesmo partido.

Como que postos de acordo quanto ao principal, os candidatos divergem em questões tópicas, a exemplo, entre outras, do quantum de autonomia que deveria gozar o Banco Central, de como encaminhar uma reforma tributária – exigiria ela uma emenda constitucional? –, todos alinhados a uma perspectiva pós-Lula, que não deixa de ser, querendo ou não, também pós-FHC, com os temas da estabilidade financeira e da responsabilidade fiscal.

Enfim, a se tomar pelas aparências, já teríamos atingido um ponto ótimo na história da evolução do país, restando agora cuidar – por que podemos mais – do seu aperfeiçoamento. E, assim, essa hora da sucessão, longe de impor um debate sobre os caminhos já percorridos e sobre a marcação dos objetivos estratégicos a serem atingidos, se apequena na rotina e na reiteração de práticas, algumas delas tidas como tão consagradas que ninguém se atreve a discuti-las. Tudo se passa como se não estivéssemos no fim de um governo, mas no seu recomeço. Para que, então, uma sucessão?

Dessa forma, uma política orientada para intervir em caráter emergencial, legítima enquanto tal, como o assistencialismo do programa Bolsa Família, ameaça se tornar permanente sem que se discutam os seus aspectos perversos, como na criação de uma gigantesca clientela a que não se fornecem os meios para escapar dessa condição. Mais que isso, apresenta-se o que deveria ser apenas um paliativo como instrumento idôneo de correção da nossa desigualdade social.

Nessa circunstância, em que o que vale é o resultado imediato, redescobrem-se, no baú da nossa história, velhas ferramentas a que se pretende dar uso novo, como o sindicalismo controlado por seus vértices, agora representados por centrais sindicais dependentes do imposto sindical.

Amplia-se o Estado em um sem número de agências que invadem a esfera da sociedade civil com a disposição de regulá-la por cima. O social passa à órbita de um Estado administrativo sob a gestão de uma tecnocracia especializada, tal como se pretendera fazer com o mundo do trabalho nos idos do Estado Novo. Nessa chave, a sociedade civil é vista como uma matéria prima sobre a qual deve se exercer a modelagem de uma intelligentzia de novo tipo a que se atribui a missão de combater a desigualdade social.

Nessa construção, não sobra espaço para a política, quase um monopólio de fato do Estado e dos seus agentes. Estiolam-se os partidos, boa parte deles destituídos de representação significativa, dependentes de favores do governo, sem vida própria, apropriados por uma "classe política", em sua maioria, animada pelo projeto único de garantir a sua reprodução. Ausente a energia que provém da luta política, vive-se na modorra do pensamento único, qualquer manifestação de dissonância com os rumos atuais, a que restaria apenas aperfeiçoar, soando como um crime de lesa majestade. Não há sucessão livre sem que haja livre discussão sobre que sociedade queremos para viver, sobre uma avaliação da nossa história e com a determinação das escolhas com que pretendemos dar continuidade a ela.

Mas, se a política, enquanto atividade consciente dos homens para tentar criar o seu destino, está em baixa e sob o controle de alguns poucos, temos um potente mundo dos interesses, grandes e pequenos, uns bem mais atendidos que outros, prontos ao conflito, se muito contrariados. Certamente, no que se avizinha, interesses serão afetados, não necessariamente os grandes, e nem sempre passíveis de compensação por vias administrativas. Se até aqui o decantado carisma de Lula e a sua proverbial boa sorte permitiram que as fortes contradições entre eles não ganhassem as ruas, sempre resolvidas por acordos nos gabinetes ministeriais sob a arbitragem presidencial, resta pouca esperança de que, com esses pretendentes à sucessão, o mesmo remédio seja eficaz. Seguramente, falta-lhes o carisma e é provável que também lhes falte o mesmo banho de lua. A política de que estamos tão distantes, oculta nas razões da gramática tecnocrática, promete nos cobrar com juros a sua próxima aparição.

Publicado no Jornal Valor Econômico (07 de Junho de 2010).

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O CQC e a democracia (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Olá, boa tarde! Venho chamando a atenção dos ouvintes para a importância da política nas nossas vidas e, sobretudo, para o cuidado que devemos ter ao criticar maus políticos. Isso porque, é preocupante o modo como a opinião pública tem confundido o despreparo de parte significativa da classe política brasileira com posições antidemocráticas. A constatação de que somos, na maioria das vezes, mal representados tem ocasionado certo desconforto com a política, desestimulando, por exemplo, o reconhecimento de boas ações. Minha opinião sobre isso permanece substancialmente a mesma. No entanto, não pude deixar de comentar um fato que me incomodou seriamente esta semana. Trata-se da exibição do quadro “Teste de Qualidade”, no programa de jornalismo escrachado e humorístico CQC, o “Custe o Que Custar”, exibido pela TV Bandeirantes nas noites de segunda. A existência de programas dessa natureza na televisão brasileira tem crescido, o que manifesta sua popularidade junto aos telespectadores e, também, a consolidação de uma imprensa mais livre, infensa a possíveis investidas da política na ingerência de suas pautas. Acredito que esse seja um bom dado para a democracia, mesmo porque o CQC e congêneres atuam sem aparente interferência e podem, em alguma medida, vocalizar posições contrárias. Voltando ao exemplo, o conhecido quadro exibido na segunda merece comentários. Nele o repórter Danilo Gentili faz perguntas aos parlamentares a partir de manchetes de jornal que não cobram conhecimentos maiores, mas apenas testam se os deputados e senadores estão informados sobre questões atuais. Não sei ao certo se a mensagem trazida pelo quadro pode sugerir que cidadãos precisam demonstrar proficiência em conhecimentos gerais para tornarem-se elegíveis, mesmo porque isso não consta na nossa Constituição. Os critérios de inelegibilidade são outros e passam recentemente por discussão, como o exemplo do projeto “ficha limpa”. A despeito disso, o CQC evidenciou algo que mesmo eu, assíduo defensor da política, tenho que reconhecer: o despreparo de parte significativa da classe política brasileira para o convívio democrático. Falo especialmente do modo como o deputado José Tatico (PTB-GO) respondeu agressivamente ao reporte a simples questão sobre qual Coréia, se a do Norte ou a do Sul, era comunista. Mais do que a incapacidade de boa parte dos parlamentares de responder a pergunta, me chocou o comportamento agressivo do deputado. Ainda que eu tenha críticas ao tratamento moralista que o CQC confere a determinadas questões, sua presença é positiva e o combate aos equívocos não pode ser, em momento algum, autoritário. Seguramente não será por meio de ofensas que a classe política brasileira irá recuperar o seu prestígio há muito abalado, caso seja essa a sua intenção. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as quitas (por volta das 14:30h), na Rádio Catedral FM 102,3.