Eleições contam, por vezes, histórias muito particulares. Não por acaso, aqueles que se ocupam da política convivem com a imprecisão dos diagnósticos e o risco do erro como desafios na construção de cenários sobre o resultado do pleito e, porque não, estratégias privilegiadas na conquista do voto e sedução do eleitor. Contexto esse que forja a importância de marqueteiros, publicitários, jornalistas, caciques políticos, lideranças partidárias e toda sorte de analistas que se apresentam a cada processo eleitoral anunciando sofisticadas leituras sobre o porvir.
Resultado positivo da consolidação da democracia entre nós, sucessivos processos eleitorais têm permitido que um cenário de longa duração sobre o comportamento do eleitor brasileiro seja desenhado, ainda que o balanço final aponte mais singularidades do que generalizações. Com efeito, o risco do erro não nos impede de tentar, novamente, clarear um horizonte que naturalmente se revela, dia a dia, ao eleitor comum. Se eleições contam histórias, quais seriam as últimas?
Em 1994 e 1998 dois capítulos de um mesmo enredo concorreram para a vitória de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), alicerçada na tão perseguida segurança monetária que o bem sucedido Plano Real promoveu. Já em 2002 e 2006, Lula (PT), que havia acumulado três derrotas, capitaliza a onda da mudança associada, é claro, ao tema da estabilidade assegurada pelas conquistas anteriores. Ambos foram, ao seu modo, os protagonistas corretos nos cenários dados, análise mais cômoda agora do que antes.
Hoje, mesmo nos eximindo de eleger quem será o protagonista em 2010, a tônica da história que se anuncia no horizonte parece certa: a ascensão social. Nos últimos anos testemunhamos uma substantiva transformação na estrutura da sociedade brasileira, processo que elevou o nível de renda das populações mais baixas que passaram, com isso, a cobrar inserção em círculos de consumo para além dos produtos básicos. Mais do que vestuário, alimentação e meios de comunicação, o aumento do poder de compra de parcela significativa dos brasileiros impôs o alargamento do status da defasada classe média, manifesto de maneira exemplar pela ampliação do ensino de nível superior. O governo Lula não é o único responsável pelo processo, mas talvez seja quem melhor compreendeu os anseios dessa nova classe social, carente de uma inclusão complexa, ao ampliar programas assistenciais sobre os quais não cabem, aqui, maiores comentários.
O fato é que transcorridos quase 8 anos de governo o índice de popularidade do presidente e a conseqüente aprovação da gestão, associado a toda a literatura sobre voto retrospectivo com fundamento econômico no Brasil, sugere que a capacidade de transferência de votos de Lula pode, como as pesquisas vêm confirmando, eleger Dilma Rousseff (PT). Se ela será ou não a protagonista do próximo capítulo podemos responder a partir do enquadramento do seu principal oponente nas pesquisas. José Serra (PSDB) curiosamente enfrenta, mais uma vez, o desafio de se colocar contra a tônica do presente. Em 2002 defendeu a continuidade, quando o clima era de mudança; hoje defende a mudança quando o clima é de continuidade. Sua tarefa é ainda mais inglória quando pensada a partir da evolução da candidata do governo nas pesquisas, cenário que cobra dele atitude na reversão do quadro e dela apenas passividade ante a maré favorável.
Decerto a eleição não acabou, mesmo porque na cabeça do eleitor comum ela mal começou. O início da propaganda eleitoral gratuita ainda representa o marco de largada do processo para a grande maioria. Com ele, outras candidaturas podem ganhar relevo, assim como posições bem demarcadas na cabeça dos que se ocupam da política podem ser compreendidas pelos demais. Resta sabermos se a história a ser contada no futuro trará algo além da positiva consolidação da democracia entre nós, ou se a tônica anunciada se confirmará com os personagens óbvios.
Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2010.
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