Pode parecer implicância, mas concordo com a grande maioria dos analistas que afirma ser esta eleição uma das piores vistas nos últimos anos. Seguramente, o processo em curso atesta muitas conquistas e não podemos ignorá-las. Falo da regularização das disputas, com periódicas trocas de poder sem maiores traumas; do incremento dos instrumentos de votação, como a urna eletrônica, com promessa de voto biométrico inclusive, comprova; do surgimento de uma imprensa livre e plural, para o que concorre o feliz aparecimento da internet como mecanismo de propagação de mensagens para além do gargalo que os tradicionais veículos de comunicação promoviam; da presença do Judiciário, em muitos casos virtuosa, mesmo que não possa ser compreendida como o último recurso no mundo da política; falo de uma democracia que não parece estar institucionalmente abalada – na contracorrente do que analistas irresponsáveis ou mal intencionados costumam sugerir –, ainda que um retorno ao que há de ruim no passado ecloda, por vezes, nos discursos eleitorais do presente.
É incômodo observar que depois de algumas eleições ainda constatemos pouca consolidação da cultura cívica e compreensão dos processos democráticos, como a pauta do segundo turno das eleições presidenciais vem demonstrando. Cobra-se dos candidatos à presidência que temas de natureza moral sejam assegurados, já nas campanhas, sob pena de perderem valiosos votos numa disputa que agora parece apertada, como se Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB) fossem poderosos “príncipes” que quando no poder resolverão, a despeito das regras do jogo democrático, todos os problemas da sociedade brasileira segundo sua livre vontade e compromissos de campanha. Sinto em dizer ao eleitor desavisado que não é assim, para o bem, que a democracia brasileira funciona.
Todas as questões que por ventura venham a ocupar a agenda pública do próximo governo serão debatidas conforme prescreve a Constituição do país, obedecendo à lógica democrática de tramitação das discussões em benefício de um enriquecimento do debate. Ilude-se quem acredita ser o presidente um ente todo poderoso que decide na exceção, ignorando a existência dos demais Poderes da República – Câmara, Senado, Judiciário e seus Tribunais. Felizmente não é assim!
Porém, este cediço segundo turno promoveu um retorno ao que de ruim parecia ter sido superado. Se na primeira etapa a presença, para alguns “indesejável”, de Marina Silva (PV) desfocou o objetivo do governo de estreitar a disputa num plebiscito, agora, com saída de Marina, os contendores, seus juízes e artífices do marketing, limitam o eleitor a dizer sim ou não ante uma pauta pobre de criação. Não por acaso a repulsa do cidadão pouco detido com o cotidiano da política vem sendo atiçada em debates que giram em torno da moralidade e da corrupção, em óbvio detrimento da imaginação de um futuro melhor. Culpa de quem? Talvez não seja essa a pergunta apropriada.
Isso porque, se por um lado os candidatos acomodam nos seus discursos o que de ruim deveria ser neutralizado – despolitizando, por exemplo, temas de saúde pública como a legislação sobre o aborto em prol do endosso de opiniões opacas e irrefletidas –, por outro, setores da sociedade emparedam Dilma e Serra na quase “mendicância” por votos e apoios. E ao final, quem sai perdendo?
O problema de se pensar e agir assim num processo eleitoral é precisamente negligenciar o correto ou esperado sentido das eleições numa democracia: refletir sobre os reais problemas da sociedade brasileira de forma madura e não plebiscitária, como se o destino do país pudesse ser resumido a uma disputa entre o bem o mal. Creio que o Brasil é bem maior do que isso e a sociedade deve encontrar o seu papel na consolidação dos valores democráticos, sob pena de retrocessos.
Viçosa, 21 de outubro de 2010.
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