Há alguns anos a cédula eleitoral era o mecanismo com o qual os cidadãos brasileiros expressavam, de tempos em tempos, suas opiniões sobre o estado das coisas no país. Por vezes, o protesto contra a classe política e as instituições democráticas se dava no voto em personagens fictícios ou animais de zoológico em vista da possibilidade subjetiva de escrever na cédula o que o eleitor bem quisesse. Hoje, na era da urna eletrônica, parece que as atitudes de outrora encontraram uma nova forma de dar vazão a insatisfação dos brasileiros. Ante a impossibilidade de escapar do “escol” de opções determinado pela urna, e mesmo da pouca significância dos votos nulos e brancos – ambos inválidos e fora da conta final –, uma fatia considerável do eleitorado parece ter adotado o escracho como alternativa viável. Não por acaso, o palhaço Tiririca obteve mais de um milhão de trezentos mil votos em São Paulo, configurando como o candidato a deputado federal mais votado no país. O curioso é que esse “voto de protesto”, motivado pela insatisfação com políticos defenestrados pela opinião pública, torna vencedores, por meio da proporcionalidade e coligações, exatamente aqueles que se pretendia punir. Tiririca, ancorado num slogan perverso para a vida democrática – “pior do que está, não fica” – alcançou sozinho mais de quatro vezes o quociente eleitoral elegendo, com ele, personagens não tão “populares”. Ainda assim, o sistema sobreviverá. No Congresso, o palhaço e seus “caronas” serão diluídos numa lógica dominada por lideranças de bancada e disciplina partidária, integrando o “baixo clero”, conforme a vulgata parlamentar denomina. A bancada eleita nas costas de Enéas Carneiro, exemplo similar de sucesso eleitoral por meio da pilhéria, atesta o destino desses futuros parlamentares: em quatro anos, nenhum projeto aprovado, nenhum barulho feito. Não questiono a possibilidade democrática de personagens como Tiririca participarem do pleito. Penso, apenas, nessa forma de protesto burro que acaba por beneficiar exatamente aqueles que se pretendia condenar. O caminho já foi descoberto e podem estar certos, será utilizado novamente.
Viçosa, 04 de outubro de 2010.
Publicado hoje (05 de outubro de 2010), na seção Opinião do jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora-MG.
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