sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Uma oposição baratinada (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Já me adiantando um pouco aos fatos, Carlos Lupi, ministro do trabalho, tem tudo para cair. Independentemente do que diga no Senado ou dos possíveis equívocos de comunicação, essa tem sido a tônica do governo Dilma, e não por culpa da presidenta, é bom que se diga. O enredo que se repete, do qual apenas Nelson Jobim não foi vitimado, segue os mesmos passos: uma denúncia levada à público por um periódico semanal qualquer, que tem sobrevivido disso; a base aliada escuda o acusado; seu próprio partido oscila entre defendê-lo e pedir o seu afastamento até que tudo seja devidamente esclarecido, correndo o risco de, caso o ministro efetivamente caia, “perder” um ministério; a “bola da vez” se farta em explicações desencontradas; novas denúncias aparecem; e, ao final, acaba sendo menos custoso para o governo demitir um ministro do que defendê-lo. Não preciso lembrar que ministros bem menos “falastrões” duraram pouco. No caso de Lupi, isso é seguramente um agravante. Fato é que pouco importa a veracidade das denúncias e, o pior a meu ver, depois de demitido pouco se averigua sobre o andamento das investigações. Trata-se de um “delito” político, enquanto ainda no poder, que depois nada interessa aos ávidos maquinadores da oposição. Não defendo com isso, é bom lembrar, que ministros ou integrantes do alto escalão do governo sejam protegidos aos “trancos e barrancos”. Incomoda, apenas, ver como a motivação para a derrubada ou manutenção em uma determinada pasta se dá, sobretudo, por interesses políticos ou partidários, que desistem de “perseguir” o acusado em nome da idoneidade da administração pública, no momento em que o acusado é “abandonado” pelo governo. Inevitável pensar que por trás da sucessiva troca de ministros no governo Dilma radica não o combate à corrupção, idéia-força no presente, mas sim a incessante tentativa de abalar o governo acusando seus integrantes. Reconheço, porém, que isso confere certo tom “animado” a política nacional, que convenhamos, é recheada em “vai-e-vem”. Mas insisto: oposição não se faz apenas com “escândalos” e a celeridade de Dilma em “cortar o mal pela raiz”, mantendo sua positiva avaliação junto à opinião pública, demonstra isso. É preciso que a política se faça com conflitos não apenas judiciais, mas com conflitos políticos, de idéias, projetos, de futuro. Ainda vejo uma oposição baratinada, aguardando a próxima denúncia para seguir o mesmo enredo. E nele, quem tem vencido é Dilma Rousseff.
A coluna Cena Política vai ao ar todas as sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.

domingo, 10 de abril de 2011

Intolerância - Laboratório de Estudos Hum(e)anos

Diogo Tourino de Sousa (Cientista Político - UFV)

Há duas semanas o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) vem ocupando as páginas de discussão e redes de relacionamento na internet, motivo de indignação para boa parte da opinião pública. Isso porque, Bolsonaro é pródigo em declarações preconceituosas e homofógicas, figura já conhecida no cenário nacional que chega a sua sexta legislatura. O que de novo, no entanto, está acontecendo?

No caso recente, o deputado participou de um programa de TV, respondendo a questões que eram formuladas previamente por cidadãos nas ruas, incluindo, ao final, uma pergunta feita pela cantora Preta Gil sobre a possibilidade do casamento entre brancos e negros. Bolsonaro respondeu a todas transparecendo o que de pior pode existir no convívio democrático. Foi racista, preconceituoso, antidemocrático, para não dizer desonesto com a história do país no momento em que dirige críticas descontextualizadas ao passado da Presidenta Dilma. Em sua resposta a cantora, ele se disse livre de “promiscuidades” quando negou a possibilidade de um filho seu se casar com uma mulher negra.

Não vejo novidade alguma em se tratando de Jair Bolsonaro. Porque agora tais comentários reverberaram com tanta polêmica? Poderíamos supor que um dos motivos seja o programa onde tais declarações vieram à público. O CQC, em seu quadro “O povo quer saber”, é uma mistura de jornalismo com escracho, que há muito se mostra capaz de agregar certa insatisfação com a política nacional, com alguma dose de irresponsabilidade. Creio, porém, que há algo mais.

O Congresso Nacional vive hoje a tramitação de diversas pautas polêmicas, como a união homoafetiva, por exemplo, contexto que incitará o lado nada progressista, nem tolerante, da política brasileira. Contudo, esse é, a meu ver, exatamente o papel do Congresso: funcionar como um catalisador, trazendo para dentro dele a pluralidade de opiniões e suas disputas no interior da sociedade.

Digo isso porque acredito que as disputas no campo da política tendem a ser mais saudáveis do que as disputas fora dele. Seguramente não concordo com quase nada do que Bolsonaro diz, mas há um elemento importante para a democracia no momento em que ele o faz. E há um elemento ainda mais importante quando a opinião pública se mobiliza para combatê-lo.

Esta semana manifestantes foram a Câmara com cartazes contra as suas declarações. No momento em que problemas cruciais para o convívio plural na sociedade contemporânea são vocalizados no mundo público, seja por meio das declarações condenáveis do deputado, seja pela força da sociedade civil em combatê-lo, é como se tirássemos de debaixo do tapete desafios que havíamos escondido lá por incapacidade de resolvê-los. Bolsonaro não sabe, mas ao enfatizar sua postura preconceituosa, militarista e antidemocrática, sustentada por uma parte significativa da sociedade brasileira que nele deposita seus votos, ele acabou politizando “tabus”. E como a boa teoria democrática nos ensina, tabus devem ser discutidos e não silenciados.

Ao deputado, em nome do respeito à diversidade e da necessidade de discutirmos o que antes escondíamos, lembro do iluminista francês Voltaire: “posso não concordar com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo”.

Viçosa, 07 de abril de 2011.

Publicado originalmente no sítio do Laboratório de Estudos Hum(e)anos.

Para conhecer o sítio, clique aqui.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Amazonino e a sociedade civil (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


A semana começou com as imagens do prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PTB), discutindo de forma truculenta com uma moradora da comunidade de Santa Marta, na zona norte da cidade. Na ocasião, Amazonino visitava áreas soterradas pela chuva quando foi questionado por uma dona de casa sobre as providências a serem tomadas pela prefeitura, reforçando a carência dos moradores que, em tese, justificaria sua necessidade de residir em áreas de risco. Amazonino não titubeou ao dizer “então morra”, sem falar, é claro, na declaração preconceituosa em relação aos paraenses, estado natural da cidadã que o questionava. Mais perversa ainda é continuação da cena, quando o prefeito é alertado sobre sua inabilidade e parte, sem ressalvas, para uma política de cooptação aberta dos moradores. Amazonino promete, na tentativa de contornar o ocorrido, remover os moradores para um terreno novo, beneficiando-os com material de construção e, enquanto isso, pagaria o aluguel de todos até que uma “solução” definitiva fosse encontrada. Na seqüência, sob ovação, Amazonino declara: “de agora em diante eu sou o pai de vocês”. O episódio é mais do que corriqueiro e carrega, creio, elementos importantes para compreendermos os resquícios do que de mais atrasado sobrevive na política brasileira. A moradora, mulher, dona de casa, que se insurgiu contra a truculência e a veleidade de promessas vazias é marca de uma sociedade civil que se torna cada vez mais robusta. Coberta pela imprensa, ávida por escândalos, mas ferramenta importante na democracia, ela, a cidadã, questiona e manifesta carências. Ele, o prefeito, exemplar da política tradicional, destila inabilidade para o convívio democrático. Sua tentativa de colocar os moradores contra aquela que insurgiu é escancarada, quando ao final das “promessas” Amazonino reforça a presença de “ignorantes” discutindo com ele na sua chegada. Confesso que fiquei consternado com a brutalidade do prefeito, mas feliz com a presença de personagens na sociedade capazes de se erguer. Sinal dos bons tempos que talvez tenham vindo para ficar, somente a consolidação da sociedade civil, da sua capacidade de se organizar, vocalizando no mundo público demandas e respeitando as regras do jogo democrático, fará com que as seqüelas do atraso sejam definitivamente superadas. A propósito, Laudicéia Ramos é o nome da moradora verbalmente agredida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Casamento estável? (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Olá, boa tarde! Foram eleitos esta semana os presidentes da Câmara e do Senado Federal, para um mandato de dois anos. A disputa manifesta a força de determinados partidos no quadro nacional e, sobretudo, a capacidade do governo de construir maiorias no Congresso. No Senado, José Sarney (PMDB-AP) ganhou com facilidade, sendo reconduzido ao cargo pela quarta vez. Fato que corrobora com o perfil conservador da casa, sem juízos de valor. Já na Câmara, Marco Maia (PT-RS) enfrentou, sem maiores problemas, o voluntarismo de alguns parlamentares. Mesmo assim, obteve 375 votos, bem mais do que precisava para ser eleito em turno único. Ambos os resultados recuperam um princípio não enunciado, mas legítimo: os partidos de maior representação parlamentar, obtida nas urnas, têm o direito de ocupar a presidência das casas no Poder Legislativo. Não é sempre, porém, que tal prerrogativa é assegurada sem disputas. Em anos recentes vimos como o exemplo mais esdrúxulo, a eleição de Severino Cavalcanti, personagem do atraso imposto pela oposição no interior da Câmara como desafio ao poderio do governo. A piada que Severino representou foi de muito mau gosto, ao ponto do mesmo ser deposto em curto período de tempo. No presente o cenário é mais ameno para as intenções governistas. PT e PMDB conseguiram a presidência das casas, desenhando costuras dentro do possível e rechaçando distensões, como é o caso da candidatura oposicionista de Sandro Mabel (PR-GO), que contrariou a determinação do seu partido de apoiar a Maia e será, agora, alvo de um processo disciplinar. Com isso, PT, o partido da presidenta Dilma, e PMDB, a legenda do seu vice Michel Temer, saem vitoriosos. Muito se falou durante as eleições presidenciais que Dilma, à época candidata, não teria habilidade política para negociar. A comparação com o Lula era inescapável. Ao mesmo tempo, a presença de Temer na chapa não recebeu a devida atenção. Ele é o homem da construção de maiorias, não necessariamente por meios consensuais. Sua habilidade se manifesta, antes, dentro do seu próprio partido, um celeiro heterodoxo de orientações ou falta de, que sempre requer arbítrio em suas decisões. Sem falar, é claro, do político de sólida carreira parlamentar. Creio ser sua fidelidade um bom termômetro. Assim, aos que duvidaram da estabilidade do novo governo fica o recado: o casamento entre PT e PMDB começou bem. Resta saber se terá, como os casamentos em geral, um final triste. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vez e voz (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Outro dia ouvi, numa situação não muito próxima da presidenta Dilma, uma mulher, com pouco estudo e muita coragem aparente, dizer: “é importante para nós, mulheres, que tenhamos mais mulheres no poder”. Na ocasião, minha interlocutora falava sobre a sucessão de um cargo administrativo, não necessariamente ligado à política. O fato, em nada corriqueiro há alguns anos, atiçou em mim a percepção de que uma democracia se faz, realmente, de simbolismos. E a eleição de Dilma já é, neste ponto, uma conquista. Digo isso, porque independente do governo que vem pela frente sua vitória permite com que certas bandeiras, antes silenciadas, possam agora ser vocalizadas por personagens diversos da sociedade civil. Não falo apenas na questão da mulher, mas penso na possibilidade que setores excluídos têm, mais agora do que nunca, de se expressarem. Talvez o perfil de Dilma contribua. É quase consenso entre os analistas que a presidenta não desempenha o cargo investida das mesmas características do seu antecessor. Lula era presença quase certa nos noticiários, emitindo juízos sobre questões diversas e tragando, com força, a sociedade para dentro do seu governo. No governo Lula todos, ou quase todos, tiveram voz. Mas hoje, a impressão que temos é a de que a voz de todos era, no fim, a voz de Lula que soube, é certo, falar por muitos. Agora, no entanto, o país que avançou na redução da desigualdade e na ampliação do acesso a um mundo antes inatingível para a grande maioria dos excluídos, como no caso da educação superior, por exemplo, precisa andar com as próprias pernas. Se até aqui fomos guiados por um Estado, que quando benevolente nos concedia privilégios e atenção aos nossos desejos e carências, falta agora sermos capazes de correr atrás de nossas demandas de maneira autônoma. O simbolismo que cerca Dilma, a primeira mulher a ocupar a presidência da República, pode, de alguma forma, ser a centelha desse processo. Momento em que a sociedade civil fala, como fala a mulher que reivindicava mais espaço para as mulheres, que há pouco mencionei. Só assim, com o avanço da cultura cívica, a consolidação do sentimento democrático e o reforço da sociedade civil nós saberemos andar com as próprias pernas, independendo da vontade do Estado em atender ao que precisamos. O presente é bom, que o aproveitemos para um futuro melhor, onde aqueles que não podiam falar passem a ter vez e voz.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O mesmo enredo (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

O começo de um novo governo parece seguir um enredo padrão. Candidatos vitoriosos são empossados, solenidades cívicas reforçam a esperança de muitos, equipes ministeriais e secretarias são nomeadas, cargos são disputados – alguns mais, outros menos – com voracidade pelos inúmeros partidos que compõem o cenário político nacional. Por certo, o destino sempre espreita o ordinário, pronto a incomodá-lo com acontecimentos imprevistos que cobram dos atores respostas para além do enredo suposto. As chuvas deste início de ano poderiam, quem sabe, assumir esse papel de um acontecimento extraordinário. Poderiam, não fosse sua constância e o permanente desafio endêmico que circunda o problema. Ainda assim, não tardam a aparecer críticas oportunistas, identificando no presente imediato a responsabilidade pelos desastres. O desafio, porém, é maior e repousa na inescapável redução das desigualdades sociais e da pobreza e no correto planejamento do uso do espaço pelo homem. Enfrentar, de fato, o problema é uma armadilha curiosa: o corajoso governante que resolver fazê-lo não será, creio, reeleito. Sua resolução cobra medidas impopulares, como remoções e o impedimento de construções em áreas de risco, sem falar, é claro, no planejamento urbano global que em nada se aproxima do desenfreado interesse do capital imobiliário. É possível? Seguramente sim. Então o que, haja vista que a solução de um problema tão grave não deveria ser tão óbvia, nos falta? Talvez o desastre que tristemente assolou, com maior gravidade, a região serrana do estado do Rio constitua um ponto de inflexão para que a sociedade civil compreenda o seu papel. Não é de hoje que a passividade dos atores sociais enseja situações semelhantes: ante a incapacidade ou, na pior das hipóteses, a falta de vontade do poder público de enfrentar problemas que custariam tempo, dinheiro e, sobretudo, votos, a sociedade permanece ordinariamente refém do “imprevisto”. No momento, além da solidariedade e das orações, devemos compreender que daqui em diante o governo não pode mais governar sozinho, sob pena de não tomar as decisões necessárias. A sociedade deve compreender seu papel ativo no enfretamento do problema. Do contrário, assistiremos o mesmo enredo no próximo ano, como a crônica de muitas mortes anunciadas.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A Comissão da Verdade.

De todos os pronunciamentos que cercaram a posse de Dilma Rousseff, primeira mulher a assumir a Presidência da República, talvez o mais substantivo tenha sido o da ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes (PT-RS). Fora, é claro, o bom discurso proferido por Dilma no Congresso Nacional, Maria do Rosário fez mais do que floreios em seu primeiro pronunciamento a frente da Secretaria, recuperando um tema polêmico que já havia aparecido no governo Lula, quando da apresentação do seu Programa Nacional de Direitos Humanos. Trata-se da criação de uma Comissão da Verdade, responsável pela abertura dos arquivos do regime militar inaugurado em 1964. Lá atrás, Lula recuou ante a irritação das Forças Armadas acerca da possibilidade de revisão da Lei de Anistia, visto que a abertura dos arquivos poderia revelar eventuais crimes cometidos pelo regime militar, como a prática de tortura bem conhecida pela historiografia recente a partir de relatos dos sobreviventes. Sei que remexer nesse período dramático da nossa história pode causar espanto. Mas acho particularmente interessante a iniciativa da ministra Maria do Rosário de recuperar a Comissão da Verdade, com o objetivo de contar com mais dignidade a história do Brasil, preenchendo lacunas que podem evitar que episódios tristes como aquele se repitam. Não defendo a revisão da Lei de Anistia, como alguns setores da opinião apregoam. Isso poderia impedir que a “verdade” apareça. Acho, no entanto, que temos o direito de saber o que foi anistiado, quais foram os crimes cometidos, quem foram os responsáveis, quem financiou a repressão e muitas outras questões para as quais respostas dariam alento a quem sofreu. A memória de um povo não é feita só de alegrias e seus traumas podem impedir que mazelas se repitam. É oportuno Maria do Rosário retomar o tema, pois vivemos um momento cercado de simbolismos que atestam uma democracia madura, infensa aos perigos que antes colocariam em risco a sobrevivência das instituições. Pior do que nos depararmos com nossos traumas, é quando eles se tornam “tabus”, inauditos, silenciados, mas que continuam a nos ameaçar. Contemos nossa história com mais dignidade, é o que defendo.