Há muito tempo Demóstenes
Torres já era um ex-senador. Sua
cassação, consumada na tarde de quarta-feira
depois de um melancólico e auto-centrado discurso de defesa, apenas oficializou
o que todos já sabiam e aguardavam. Isso porque, Demóstenes já havia sido abandonado pelos amigos, aliados, pela
imprensa e pelo próprio partido. Perambulava pelos corredores do Senado causando um desconforto, pois
ninguém queria ser visto com ele. O antigo arauto
da moralidade, assíduo freqüentador das páginas dos jornais apontando o
dedo para supostos corruptos passou,
ele próprio, a ser estampado nas colunas como o pivô de escândalos políticos. Quarta, no seu discurso de defesa, alertou os
mais jovens: cuidado, não façam como eu fiz, não assumam a defesa da moralidade, pois isso pode, num futuro próximo, deixá-los
sozinhos. O ato final de Demóstenes
na casa trouxe consigo a pior das mensagens: estão me cassando porque eu, inadvertidamente,
quebrei o coleguismo e denunciei
meus colegas. Nunca gostei do moralismo
rasteiro com o qual Demóstenes e
muitos outros achavam que seriam capazes de fazer política. Ao invés de
construírem alternativas para modelos questionados, ele e outros ocupavam-se da
estratégia perigosa de desestabilizar adversários nas páginas policiais. Não afirmo com isso que o combate à corrupção possa ser deixado de lado. Entretanto, a crença
na política e em suas instituições
nada ganha com o que ocorreu. A cassação
de Demóstenes Torres e seu
desesperado apelo na tribuna causam a inevitável impressão na sociedade de que
ali “ninguém se salva”. Ainda mais
quando lembramos que o único senador cassado antes de Demóstenes foi Luis Estevam,
em 2000. Por um lado, reconheço a virtude de mecanismos recém-inaugurados na política
brasileira, como a lei da ficha limpa,
que cancelaria os direitos políticos do ex-senador ainda que ele renunciasse
para evitar a cassação. Mas por outro, o episódio incomoda ao difundir um clima
de sujeira generalizada. Aquele que
antes pautava sua conduta na defesa da
moralidade é, ele próprio, cassado por quebra
de decoro parlamentar. Ou, em outras, por ter sido imoral. E ainda diz, ao sair, que não sobra ninguém, pois estaria
sendo perseguido pelos senadores pelo simples motivo de outrora tê-los perseguido.
Antes de me perguntar quantas cabeças ainda vão rolar no episódio Carlinhos Cachoeira, prefiro cobrar que o Congresso Nacional ocupe-se mais com
tentativas honestas de correção da
estrutura, como a lei da ficha limpa
e o controle do financiamento de
campanhas, por exemplo, e não em ficar apenas agindo pontualmente no enfrentamento
do que pior ele produz: corruptos. Porque
se assim for, Demóstenes estará
sempre certo: não se salva ninguém.
A coluna Cena Política vai ao ar todas a sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.
A coluna Cena Política vai ao ar todas a sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.
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