sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Renovação e mentira (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Foi Maquiavel quem, no século XVI, disse que a política era o reino da mentira. Por vezes mal interpretado, o pensador florentino queria, com tal afirmação, mostrar como a política constitui um campo de ação regido por regras próprias, que pode exigir certas “mentirinhas”. Faz-se isso muito na política. Não necessariamente com o objetivo de enganar alguém. Mas, para amenizarmos o desconforto com a palavra, mente-se com o objetivo de convencer alguém, de iludir no bom sentido (caso exista). A grande “mentirinha” contada na largada da corrida para a prefeitura de Juiz de Fora é, a meu ver, o tema da renovação. Ainda que a cidade clame por ela, reverberando, a cada ano eleitoral, sua necessidade, novamente seu uso nas campanhas parece ser um instrumento retórico. A despeito de alguns candidatos o mobilizarem abertamente, tentando, com graus variados de sucesso, incorporar o “novo”, o peso da tradição faz-se presente de maneira sutil, imperceptível se nos apegarmos apenas ao que é dito. Basta observarmos como, agora em 2012, novamente o baú do passado foi aberto com o objetivo de atualizar o presente. Margarida Salomão (PT), primeira colocada nas pesquisas, convidou, ao lado de Lula e Dilma, Tarcísio Delgado como apoiador. Experiente político da cidade, Tarcísio já teve a própria Margarida como secretária de governo em administrações passadas, e no presente se desfiliou do PMDB, depois de 46 anos de militância, para apoiar a candidatura petista. O jovem Bruno Siqueira (PMDB), quem melhor incorporaria o “novo”, vive o dilema de ter que mobilizar o “velho” na tentativa de não espantar eleitores inseguros. Para tanto, invoca o legado de Itamar Franco, que em vida já o havia eleito seu continuador. Já Custódio Mattos (PSDB), atual prefeito, naturalmente nega a renovação e recorre ao tema da experiência administrativa como trunfo. Seguindo o perfil do seu partido, Custódio enaltece seus feitos, convidado a si mesmo como estratégia, mas prometendo ir além, em razão da alta rejeição que enfrenta. Malgrado tudo isso, o tema do novo persiste. Margarida o quer, em parte. Bruno o teme. Custódio o nega, também parcialmente. Apenas as candidaturas mais abaixo nas intenções de voto – PCB e PSTU – recorrem ao “novo” de maneira confortável, utilizando, porém, argumentos de corte mais drásticos do que o eleitorado médio costuma aceitar. Nessa direção, se Maquiavel dizia que a política é o reino da mentira, ela é, por extensão, o reino da desconfiança. E desconfio de que o novo não será, novamente, decisivo este ano.

A coluna Cena Política vai ao ar todas as sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Salvos pelo gongo (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


A impugnação da candidatura de Alberto Bejani (PTB) para vereador conferiu, para muitos, a sensação de que fomos salvos pelo gongo da Justiça Eleitoral. Desde sua renúncia em 2008, depois de mais uma bombástica operação da Polícia Federal pelo Brasil, Bejani vinha ensaiando seu retorno. Já naquele ano ele fez seus primeiros gracejos ao manifestar apoio à candidatura de Margarida Salomão (PT), dizendo, à época, que seu voto era “feminino”. A despeito de ter sido preso duas vezes em decorrência de um escândalo de malversação do dinheiro público – relacionado ao exorbitante aumento no preço do transporte coletivo na cidade –, Bejani ainda portava uma quantidade expressiva de dinheiro vivo e armas não registradas em sua primeira detenção. Algo que não impediu o radialista de continuar falando, também na política. Prefeito da cidade na década de 1980, deputado estadual por duas legislaturas, eleito novamente para o Executivo municipal em 2004, Bejani é um caso exemplar na política brasileira: carismático, despreocupado com a fama ruim que o cerca nos meios que nele não votam, criou uma espécie de nicho eleitoral em Juiz de Fora que dificilmente desaparecerá. Sim, minha previsão é óbvia: caso a Justiça Eleitoral não tivesse, com base na lei da ficha limpa, impugnado a candidatura de Carlos Alberto Bejani, fatalmente ele seria eleito. Ou alguém duvida? O fato nos convida a pensar o processo democrático brasileiro, na sua institucionalidade e, sobretudo, na cultura política do eleitor. Ainda que a lei da ficha limpa seja uma conquista, fundamentalmente por impedir que políticos em exercício renunciem para escapar da cassação, na qualidade de lei ela é, como todas as outras, passível de interpretações. Não por acaso o advogado de Bejani disse que ainda não acabou. Seu argumento, que encontra precedentes pelo país, é de não foi protocolado à época um pedido de cassação do ex-prefeito, mesmo porque Bejani se antecipou aos fatos renunciando. Logo, não havia porque prosseguir com processo na Câmara dos Vereadores. Em 2008 a lei da ficha limpa não existia. Como poderiam os vereadores locais imaginar que tal artimanha jurídica seria mobilizada? Não poderiam. Ainda que as instituições política no país tenham progredido, especialmente em sua racionalização e mecanismos de controle, persistem possibilidades de interpretação legal para as quais não podemos fazer nada. Aliás, podemos sim. Podemos votar! Chego, com isso, ao tema que me interessa: a cultura política do eleitor. Por que cargas d’água o slogan “rouba, mas faz”, e outros igualmente perversos, ainda elegem gente neste país? Creio que é sobre isso que temos que nos concentrar a partir de agora, concomitante ao incremento institucional da democracia, é claro. Pois senão, dependeremos sempre do gongo da justiça a nos salvar. E sem querer colocar medo em ninguém: ele pode falhar.

A coluna Cena Política vai ao ar todas as sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Piada (ou "paixão") nacional? (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

Esta semana ouvi uma afirmação, vinda de um importante ator da televisão brasileira, que dizia, talvez em tom de autocrítica, “nem tudo o que a sociedade demanda é saudável para ela”. O assunto era outro, mas quando abro as páginas do jornal pela manhã me deparo com duas manchetes curiosas abrigadas na mesma seção: política. A primeira trazia a fanfarronice já notória de Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e um habitue nos escândalos políticos, que alardeava a segurança da sua não condenação no julgamento do esquema de compra de apoios parlamentares, conhecido como mensalão. Jefferson foi, à época, apontado como um dos principais operadores do esquema, ao lado do ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, ambos cassados ainda no primeiro mandato do governo Lula, em 2005. A segunda manchete que me chamou a atenção, dizia que a CPI do Cachoeira, que na minha opinião ainda nada fez de útil, já tem uma musa. Intitulada o “Furacão da CPI”, a matéria discutia o futuro da assessora parlamentar do senador Ciro Nogueira (PP-PI), a advogada Denise Leitão Rocha, protagonista de um vídeo com cenas íntimas que já circula na internet. Aliás, agora só se fala nisso, até que outra bobagem qualquer que diga respeito à vida íntima de alguém famoso ou não, ocupe os noticiários nacionais. Que demanda é essa, aproveitando a afirmação com a qual comecei essa conversa, nada saudável para a sociedade brasileira? Na semana seguinte à cassação de Demóstenes Torres, em meio a um turbilhão de suspeitas sobre negócios nada republicanos firmados entre o poder público e empreiteiras, onde um bicheiro, que já se mostrou capaz de tragar para a ilegalidade mais gente do que supúnhamos, defendido habilmente por um ex-ministro da Justiça, voltamos nossos olhares para a vida privada de uma assessora parlamentar, que caiu na infelicidade de ser filmada em cenas íntimas, numa era de pouca privacidade. Agora se discute um possível caso dela com o deputado Romário (PSB-RJ), ou mesmo a existência de um harém montado por Ciro Nogueira em seu gabinete. Do que mesmo falávamos? Ah, é verdade, sobre corrupção na máquina pública, problema apontado por quase todos os brasileiros como o nosso grande mal. Paradoxo interessante: a sociedade parece saber quais são os seus desafios, mas continua a demandar deleites nada “saudáveis”, para recuperar a afirmação inicial, não sem polêmica, claro. Repentinamente é melhor devassar a vida íntima de uma mulher que há pouco nem sabíamos que existia, e que agora divide as manchetes sobre política com o deboche de Roberto Jefferson sobre a possibilidade de ser ele condenado no Supremo, ofuscando, ainda mais, uma Comissão Parlamentar de Inquérito que transparece aquilo que julgamos ser o nosso problema. Suspeito de vários enganos. Mas conservo a vaga impressão de que enquanto publicizarmos tudo, mesmo a intimidade, mas, sobretudo a corrupção, sem punir ninguém, permaneceremos com a desconfortável sensação de piada que paira sobre a política nacional. Ou seria paixão nacional que paira sobre a piada da política? Vai saber. 

A coluna Cena Política vai ao ar todas as sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sujeira generalizada (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Há muito tempo Demóstenes Torres já era um ex-senador. Sua cassação, consumada na tarde de quarta-feira depois de um melancólico e auto-centrado discurso de defesa, apenas oficializou o que todos já sabiam e aguardavam. Isso porque, Demóstenes já havia sido abandonado pelos amigos, aliados, pela imprensa e pelo próprio partido. Perambulava pelos corredores do Senado causando um desconforto, pois ninguém queria ser visto com ele. O antigo arauto da moralidade, assíduo freqüentador das páginas dos jornais apontando o dedo para supostos corruptos passou, ele próprio, a ser estampado nas colunas como o pivô de escândalos políticos. Quarta, no seu discurso de defesa, alertou os mais jovens: cuidado, não façam como eu fiz, não assumam a defesa da moralidade, pois isso pode, num futuro próximo, deixá-los sozinhos. O ato final de Demóstenes na casa trouxe consigo a pior das mensagens: estão me cassando porque eu, inadvertidamente, quebrei o coleguismo e denunciei meus colegas. Nunca gostei do moralismo rasteiro com o qual Demóstenes e muitos outros achavam que seriam capazes de fazer política. Ao invés de construírem alternativas para modelos questionados, ele e outros ocupavam-se da estratégia perigosa de desestabilizar adversários nas páginas policiais. Não afirmo com isso que o combate à corrupção possa ser deixado de lado. Entretanto, a crença na política e em suas instituições nada ganha com o que ocorreu. A cassação de Demóstenes Torres e seu desesperado apelo na tribuna causam a inevitável impressão na sociedade de que ali “ninguém se salva”. Ainda mais quando lembramos que o único senador cassado antes de Demóstenes foi Luis Estevam, em 2000. Por um lado, reconheço a virtude de mecanismos recém-inaugurados na política brasileira, como a lei da ficha limpa, que cancelaria os direitos políticos do ex-senador ainda que ele renunciasse para evitar a cassação. Mas por outro, o episódio incomoda ao difundir um clima de sujeira generalizada. Aquele que antes pautava sua conduta na defesa da moralidade é, ele próprio, cassado por quebra de decoro parlamentar. Ou, em outras, por ter sido imoral. E ainda diz, ao sair, que não sobra ninguém, pois estaria sendo perseguido pelos senadores pelo simples motivo de outrora tê-los perseguido. Antes de me perguntar quantas cabeças ainda vão rolar no episódio Carlinhos Cachoeira, prefiro cobrar que o Congresso Nacional ocupe-se mais com tentativas honestas de correção da estrutura, como a lei da ficha limpa e o controle do financiamento de campanhas, por exemplo, e não em ficar apenas agindo pontualmente no enfrentamento do que pior ele produz: corruptos. Porque se assim for, Demóstenes estará sempre certo: não se salva ninguém. 

A coluna Cena Política vai ao ar todas a sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.

sexta-feira, 9 de março de 2012

O Brasil, a FIFA e o "complexo de vira-lata" (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)

O embate gerado pelas polêmicas declarações do secretário geral da FIFA, o francês Jérome Valcke, dizem muito sobre o modo como o Brasil se entende hoje e, sobretudo, quer ser entendido no mundo. Episódio que serve, ainda, para pensarmos nos ganhos que eventos de grande porte, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, promovem nos países onde ocorrem. Lembremos os fatos. Diante do atraso na votação da chamada lei da geral Copa, medida extraordinária que regulamentará os jogos no país, pois já temos um Estatuto do Torcedor que será deixado momentaneamente de lado, o secretário da FIFA disse que o país precisava “levar um chute no traseiro”. Aldo Rebelo, ministro dos esportes, imediatamente reagiu, dizendo não ser mais Jérome Valcke um interlocutor, colocando como condição para a continuidade dos trabalhos a substituição, por parte da FIFA, do seu representante no Brasil. A entidade, por sua vez, teria contratualmente o direito de retirar a copa do Brasil até o meio do ano, transferindo o evento para outro país mais “dócil”. Logo, alguns, ainda abalados por aquilo que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira-lata”, criticaram Aldo Rebelo, talvez por seu “orgulho” exagerado. Assim como numa briga entre amigos, a turma do “deixa disso” não tardou em aparecer, com pedidos de desculpas que aguardavam, até agora, apenas o aceite do próprio ministro. Não é de hoje que sabemos que eventos como a copa trazem inúmeros benefícios para os países onde ocorrem, como o incremento dos meios de transporte, a melhoria dos estádios, grandes lucros com o turismo, além da própria visibilidade do país e do incentivo ao esporte. A dúvida que persiste, no entanto, é sobre a durabilidade desses benefícios. Não precisamos ir longe. A copa da África do Sul, ocorrida em 2010, primeira realizada naquele continente, transformou o país nos dias que circundaram o evento, com melhoras inclusive no sistema judicial. Apesar disso, dois anos após o término da competição discute-se a demolição de alguns dos milionários estádios erguidos, antes sua inutilidade num país que tem pouco apreço pelo futebol. Nosso caso é, por certo, diferente. Aqui o futebol é paixão nacional. Mas o exemplo, a meu ver, é o mesmo: a FIFA parece uma “nave espacial” que pousa no país, promove suas transformações e, depois, vai embora. Os desdobramentos do que fez pouco importam. No fato recente, o soberano Congresso Nacional discute uma lei que afetará a realização do evento no nosso território e a entidade quer “dar as cartas” também nisso. Certamente Câmara e Senado têm os seus defeitos e barganhas pautadas por interesses nada nobres podem motivar atrasos e retrocessos. Ainda assim, perdoe-me o Sr. Jérome Valcke, mas Aldo Rebelo está certo e não somos “vira-latas” para tomar um “chute no traseiro”. Aqui quem dá as cartas somos nós!

A coluna Cena Política vai ao ar todas as sextas (no jornal das 8h), na Rádio Catedral FM 102,3.