quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Continuidade (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Não é surpresa o fato de que os primeiros ministros anunciados pela presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), sejam da área econômica. Surpreende menos ainda a permanência de Guido Mantega à frente da pasta da Fazenda, estratégica do desenho da política econômica. Mantega assumiu no início de 2006, logo após a queda de Antonio Palocci, envolvido com escândalos de quebra de sigilo fiscal. Naquela época o governo Lula já havia superado a desconfiança em relação ao modo como conduziria a economia do país, suspeita que no período eleitoral obrigou os candidatos a aceitar “condições” impostas por agência internacionais. A reunião de Ciro, Lula e Serra com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), então presidente, ocorrida no Palácio do Planalto durante a disputa em 2002, é sintomática da insegurança acerca das instituições nacionais. Depois de eleito Lula superou não apenas obstáculos econômicos, mas também políticos. E hoje o cenário que se desenha parece ser o mesmo, com outros personagens. Falo da continuidade da política econômica que já foi, no passado, mobilizada como elemento de chantagem contra a soberania das decisões políticas. O medo que um dia rondou a “ameaça vermelha”, representada pelo líder sindical dos anos 80, hoje, curiosamente, repousa sobre a oposição. Não por acaso Dilma se elegeu sem maiores dificuldades, ancorada na alegria que a sensação de “dinheiro no bolso”, compartilhada pela maioria dos brasileiros, promove. As três “pastas” já escolhidas pela futura presidente – Fazenda, Planejamento e Banco Central – permaneceram quase ou totalmente intocadas durante o governo Lula. E a confirmação de Mantega na Fazenda confirma o forte elemento de continuidade que cerca a política econômica. Creio que podemos, a partir dessa constatação, apontar elementos positivos e negativos. Por um lado, Dilma satisfaz o eleitorado que nela votou em virtude da aceitação do governo anterior, do qual, aliás, ela própria fez parte. Por outro, no entanto, devemos sempre questionar a influência que a economia tradicionalmente exerce no cenário político. Isso porque, no passado foi uma espécie de chantagem efetuada por agências como o Fundo Monetário Internacional que retirou da eleição o que ela tinha de imaginativo, estreitando a pauta ao tema do pagar ou não a dívida. Talvez no presente tenha sido a mesma economia o fator de empobrecimento da disputa, ao resumir o Brasil ao plebiscito “apoio ou não o governo”. Acho que podemos cobrar mais da política.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amigo ou inimigo? (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Findo o período eleitoral observamos, com graus variados de insatisfação, reincidir na agenda pública o óbvio: como serão preenchidos os cargos no próximo governo. Os personagens se movimentam – partidos e suas lideranças –, em busca dos principais postos de comando, ministérios “ricos” e que tenham a ele ligadas poderosas estatais. O que de ordinário não surpreende, porém, incomoda. A manchete da semana aponta a tentativa do PMDB, partido ao qual pertence o vice-presidente eleito, Michel Temer, de “emparedar” Dilma Rousseff (PT) na escolha de sua equipe de governo. Tentativa de pronto rechaçada pelo presidente Lula, receoso dos perigos que a formação de um “blocão” – como vem sendo chamada a coalizão entre PMDB, PP, PR, PTB e PSC –, pode causar para o novo governo. Lula é um articulador hábil e pragmático. Sua popularidade ao final de 8 anos de governo indica, sobretudo, a capacidade que teve de navegar em águas turbulentas de maneira relativamente tranqüila, contornando as desavenças do cotidiano. A principal delas já se revela, nem tão cedo assim, para Dilma, que por sorte ainda conta com o prestígio do seu antecessor no controle dos atores. Falo da necessidade de negociação com os partidos de maior representação no Congresso Nacional, sem o que um presidente não governa, sem o que um presidente pode, no limite, ser deposto. O PMDB sai vitorioso das urnas em 2010. Por um lado, DEM e PSDB perdem muito em quantidade e qualidade. Bancadas menores, menos estados e quadros significativos para a história de ambos os partidos não se elegeram. Por outro, emplaca o vice na chapa vitoriosa, e não qualquer vice. Trata-se de Michel Temer, homem do Congresso, prócer na negociação no interior do Legislativo, homem da política ordinária que pode ajudar, ou atrapalhar. Sua presença na chapa apaziguou aqueles que desconfiavam da perícia de Dilma no campo da negociação. Isso porque, possuir experiência administrativa não confere, como vimos, destreza eleitoral e nem política. Essa lacuna foi preenchida, no momento eleitoral, por Lula, e promete ser superada, já no momento de governo, por Temer. Mas e se o aliado se tornar inimigo? Como em toda eleição, o voto é uma aposta. Cabe à sociedade civil tornar essa aposta menos insegura no momento em que se apresentar como ator capaz de impor sua pauta no mundo da política. Do contrário, o tema menor da ocupação dos cargos públicos em benefício deste ou daquele partido, comportamento surdo aos problemas concretos do país, cobrará de nós a passiva fé de que um dia as coisas serão melhores.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O ENEM e o ensino no Brasil (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Olá, boa tarde! A polêmica criada em torno dos erros cometidos durante a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no último final de semana tem e não tem razão. Assim como no ano anterior, falhas na organização do exame colocaram em xeque sua credibilidade como mecanismo alternativo de ingresso nas instituições de ensino superior do país, minando, de alguma forma, o projeto do atual Ministério da Educação. Todos os envolvidos com a discussão sabem que nos últimos anos o MEC tem se empenhado na redução do gargalo criado pelo vestibular no ingresso nas universidades do país. Projeto que seguramente desagrada a indústria criada em torno do vestibular, sem falar, razão mais profunda, na radical mudança que a ampliação do acesso ao ensino promoverá na estrutura da sociedade brasileira. Não eximo o governo de culpa, pois falhas grosseiras, seja na impressão das provas, seja na instrução dos aplicadores, confundiram boa parte dos alunos. Mas creio que se tem feito uso demasiadamente político, em chave menor, dos percalços enfrentados pelo ENEM. De cara acho no mínimo estranho que uma prova dessa magnitude encontre problemas tão primários, como erro na impressão de cabeçalhos ou vazamento (ocorrido no ano anterior). Prato cheio para a imprensa e para setores da oposição, ávidos em promover interpretações variadas das declarações do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, por vezes colocando um contra o outro, e todos contra o governo. Mas assim como em outros episódios dessa natureza, acho importante mobilizarmos fatos isolados numa sincera inflexão sobre a sociedade brasileira. Duas questões me parecem centrais: qual a importância do ENEM? A quem ele incomoda? A mesma opinião pública que no presente execra o MEC como um “trapalhão” reincidente, descreve a educação como entrave para que o Brasil alcance melhores índices de desenvolvimento e redução da desigualdade. Educação, aliás, apontada por organismos internacionais como o obstáculo a ser superado no país, que mesmo tendo contornado os problemas econômicos, ainda esbarra na questão social. O ENEM, salvo seus erros pontuais, é uma tentativa sincera de transformação e ampliação do acesso ao ensino superior, que pode ou não dar certo. Ensino esse ainda elitizado, a despeito da atuação do REUNI, pelo cruel e temido vestibular, mecanismo ultrapassado de seleção que privilegia qualidades questionadas por boa parte dos educadores, não dos empresários da educação. Que os erros sejam contornados. Mas acho que não devemos jogar fora a criança com água do banho, e sim valorizar tentativas bem intencionadas de melhoria do ensino no Brasil. Se der errado, pensemos outras. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A vitória de Dilma (Coluna Cena Política - Rádio Catedral FM 102,3)


Olá, boa tarde! O assunto de hoje não poderia ser outro: a vitória de Dilma Rousseff (PT), a primeira mulher eleita presidente do Brasil. O fato traz grandes implicações para a sociedade brasileira e a política no país. Dilma, em seu primeiro pronunciamento depois do resultado, fez questão de ressaltar temas que haviam sido mobilizados durante a campanha sem, no entanto, o correto tratamento na opinião de muitos. Todos sabem que o momento eleitoral é em muito distinto do momento de governo, e o discurso da presidente eleita no domingo manifestou tal distinção. Uma coisa é defender certas posições e mudar, inclusive, algumas delas na busca por votos. Outra, bem diferente, é governar. E se em política o tempo não poder ser desperdiçado, sob pena de não podermos voltar atrás em decisões tomadas, Dilma aproveitou bem o seu primeiro pronunciamento para marcar posição num campo que parecia minado antes do resultado. Alguns pontos merecem destaque. O primeiro deles, não por acaso, foi o mesmo com o qual a presidente iniciou a sua fala: o fato de ser ela mulher e como isso não deveria passar despercebido numa sociedade que ainda contabiliza altos índices de violência contra as mulheres. Violência simbólica – expressa no não reconhecimento de direitos, no tratamento desigual nas relações familiares e de trabalho –, ou mesmo física, em agressões muitas delas silenciadas pela negligência das autoridades ou medo da reincidência. Se no momento eleitoral Dilma era a “mãe do Brasil”, clara alusão ao “pai do povo” que encerrará seu governo em dezembro, no momento de governo ela diz aos setores da opinião que a acusaram de ignorado tal simbolismo que ela é mulher. O segundo tema para o qual chamo a atenção é o da liberdade de imprensa. Agora a mulher revestiu-se, também, de militante pela democracia no país em tempos de repressão, lembrando que dedicou a juventude e colocou a vida em risco pela liberdade. Experiência que faz com que ela prefira “o barulho da imprensa livre, ao silencia das ditaduras”. Por último, a liberdade de culto religioso. Talvez o tema que mais atiçou paixões tenha sido o debate acerca da descriminalização do aborto. Não pretendo me posicionar. Lembro, apenas, da menção que Dilma fez ao assegurar a laicidade do Estado no seu governo. Findo o momento eleitoral, esperamos que o momento de governo não seja contaminado pela pobreza do debate que vimos nas campanhas. Esperamos, por certo, que o tom acompanhe o primeiro discurso de Dilma. Boa tarde a todos e até o Cena Política da semana que vem!