domingo, 10 de abril de 2011

Intolerância - Laboratório de Estudos Hum(e)anos

Diogo Tourino de Sousa (Cientista Político - UFV)

Há duas semanas o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) vem ocupando as páginas de discussão e redes de relacionamento na internet, motivo de indignação para boa parte da opinião pública. Isso porque, Bolsonaro é pródigo em declarações preconceituosas e homofógicas, figura já conhecida no cenário nacional que chega a sua sexta legislatura. O que de novo, no entanto, está acontecendo?

No caso recente, o deputado participou de um programa de TV, respondendo a questões que eram formuladas previamente por cidadãos nas ruas, incluindo, ao final, uma pergunta feita pela cantora Preta Gil sobre a possibilidade do casamento entre brancos e negros. Bolsonaro respondeu a todas transparecendo o que de pior pode existir no convívio democrático. Foi racista, preconceituoso, antidemocrático, para não dizer desonesto com a história do país no momento em que dirige críticas descontextualizadas ao passado da Presidenta Dilma. Em sua resposta a cantora, ele se disse livre de “promiscuidades” quando negou a possibilidade de um filho seu se casar com uma mulher negra.

Não vejo novidade alguma em se tratando de Jair Bolsonaro. Porque agora tais comentários reverberaram com tanta polêmica? Poderíamos supor que um dos motivos seja o programa onde tais declarações vieram à público. O CQC, em seu quadro “O povo quer saber”, é uma mistura de jornalismo com escracho, que há muito se mostra capaz de agregar certa insatisfação com a política nacional, com alguma dose de irresponsabilidade. Creio, porém, que há algo mais.

O Congresso Nacional vive hoje a tramitação de diversas pautas polêmicas, como a união homoafetiva, por exemplo, contexto que incitará o lado nada progressista, nem tolerante, da política brasileira. Contudo, esse é, a meu ver, exatamente o papel do Congresso: funcionar como um catalisador, trazendo para dentro dele a pluralidade de opiniões e suas disputas no interior da sociedade.

Digo isso porque acredito que as disputas no campo da política tendem a ser mais saudáveis do que as disputas fora dele. Seguramente não concordo com quase nada do que Bolsonaro diz, mas há um elemento importante para a democracia no momento em que ele o faz. E há um elemento ainda mais importante quando a opinião pública se mobiliza para combatê-lo.

Esta semana manifestantes foram a Câmara com cartazes contra as suas declarações. No momento em que problemas cruciais para o convívio plural na sociedade contemporânea são vocalizados no mundo público, seja por meio das declarações condenáveis do deputado, seja pela força da sociedade civil em combatê-lo, é como se tirássemos de debaixo do tapete desafios que havíamos escondido lá por incapacidade de resolvê-los. Bolsonaro não sabe, mas ao enfatizar sua postura preconceituosa, militarista e antidemocrática, sustentada por uma parte significativa da sociedade brasileira que nele deposita seus votos, ele acabou politizando “tabus”. E como a boa teoria democrática nos ensina, tabus devem ser discutidos e não silenciados.

Ao deputado, em nome do respeito à diversidade e da necessidade de discutirmos o que antes escondíamos, lembro do iluminista francês Voltaire: “posso não concordar com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo”.

Viçosa, 07 de abril de 2011.

Publicado originalmente no sítio do Laboratório de Estudos Hum(e)anos.

Para conhecer o sítio, clique aqui.

2 comentários:

Guilherme Prado Souza disse...

Excelente análise. Ao mesmo tempo em que concordo contigo quando diz que o programa CQC “é uma mistura de jornalismo com escracho (...) com alguma dose de irresponsabilidade”, questiono-me em relação ao papel dessa “linha jornalística” que no Brasil, vem a cada dia angariando mais adeptos. Manipulações á parte, indo à contra-mão do jornalismo tradicional, talvez além de “desembaçar as telas dos televisores globais” ou ao menos embaçá-las de outra maneira, ela sirva para fomentar os debates no seio da sociedade brasileira que desde a sua formação transferiu para o Estado o papel de “tutor” do povo. Talvez um jornalismo com escracho possa dar inicio a um processo de mudanças subjetivas do pensamento tradicional fazendo com que num futuro, os indivíduos tenham até a oportunidade de avaliar a validade dessa linha jornalística que os instigou. Talvez, dentro do “Creio, porém, que há algo mais” exista muito mais, ou talvez apenas mais do mesmo.
Abraços!

Unknown disse...

Caro Guilherme, grato pela leitura e por seus comentários. Também considero o CQC uma ferramenta democrática, inclusive para nos mostrar como o "escracho" ganha relevo ante o comportamento igualmente circense do restante da imprensa. Quando digo "irresponsabilidade", chamo atenção para o nosso papel: discernir o que sobra da crítica. Bom debate. Um abraço.