sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Sobre a virtude dos Tribunais e o mundo da política

Diogo Tourino de Sousa
Transcorridos 20 anos da promulgação da Constituição de 1988 algumas de suas inovações institucionais, como a reformulação da atuação e dos instrumentos dos nossos Tribunais Superiores, passam a representar para o conjunto da sociedade brasileira importantes mecanismos para o funcionamento da democracia, assumindo o protagonismo em inúmeras situações e demonstrando sua progressiva independência ante outros atores da cena política nacional. Hoje, antigas práticas de intromissão por parte daqueles que deveriam zelar pela integridade da justiça no país mostram-se cada vez mais dificultadas, seja pela atuação de esferas do Poder Judiciário, representadas pela constante presença dos seus operadores na sociedade, seja pela ação de corporações de fora do mundo ordenado da política, como o caso das investigações da Polícia Federal (PF), presença que deve, seguramente, ser tomada com cuidado.
No entanto, o processo eleitoral que se anuncia em 2008 para a sucessão do Executivo e do Legislativo municipal traz mais um sinal positivo desse avanço, também nos mecanismos eleitorais, comprovando a importância de um fenômeno de longa duração na história brasileira em todas as suas contradições: a atuação da lei enquanto força motriz para o avanço e consolidação da política entre nós. Isso porque, a resolução no. 22.718 de 28 de fevereiro de 2008, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo da Justiça Eleitoral no país, que regula a propaganda e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha – disposição já vista no pleito de 2006 em âmbito nacional –, manifesta a tentativa da lei de impedir que o poder econômico interfira na competição democrática entre os candidatos, penalizando eventuais crimes eleitorais com multas e detenções.
Mais do que legislar sobre o calendário e controlar eventuais calúnias entre os concorrentes, algo que o TSE já fazia em eleições anteriores, o que há de novo na resolução em questão é o impedimento da conhecida confecção de brindes (como camisetas, bonés e broches), da fixação de cartazes em locais de uso público (inclusive clubes, cinemas e centros comerciais, ampliando o conceito de “público” em vigor nas eleições passadas), da realização de “showmícios” e da aparição de artistas (remunerados ou não, com vistas a impedir eventuais influências no eleitorado), a limitação do tamanho dos cartazes fixados em propriedades particulares (no máximo 4m²), dentre outros. Isto é, trata-se de uma série de restrições englobadas num conjunto de instruções, tornadas claras logo em seu art. 5º, que, ao fazer referência ao que entende como prática de propaganda a ser evitada, destaca como tal o emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.
Mesmo os novos meios de divulgação, como o uso de blogs e sítios de relacionamento na internet, foram incluídos pelo TSE na resolução, criando domínios específicos, com formato padrão de endereço e tempo previsto de existência, para a propaganda eleitoral. Mas são os seus capítulos VI VII, que dispõem respectivamente sobre a programação normal do rádio e da televisão e sobre a propaganda eleitoral gratuita nesses veículos, àqueles aos quais o TSE dedicou, novamente, maior atenção, em vista da audiência e alcance que gozam na sociedade brasileira, algo que tende, ainda, a sofrer o impacto das novas exigências: na medida em que a resolução atinge substancialmente práticas de rua amplamente utilizadas no passado, a propaganda eleitoral deste ano voltar-se-á mais intensamente para o horário no rádio e televisão.
Todavia, não podemos excluir uma possibilidade “negativa” que a resolução apresentada pelo TSE acarreta ao cercear a “poluição” visual vista nas eleições passadas, ocasionando transformações na campanha, especialmente no que se refere ao envolvimento do eleitorado e da população como um todo. O cenário encontrado na concomitante campanha para a presidência dos EUA, centralizada na disputa entre o candidato democrata Barack Obama e o republicano John McCain, representa um contraponto interessante. Lá a presença de artistas e a utilização de peças publicitárias de alto grau de elaboração é prática comumente aceita, cabendo apenas a importante ressalva de que o comparecimento eleitoral no país não é obrigatório por lei. Isso leva as campanhas a se ocuparem, inclusive, com a motivação para a participação eleitoral, associada à defesa de um eventual candidato, na tentativa de reverter o quadro de desinteresse identificado pela revista Time nas eleições de 2004, quando apenas 42% da população americana entre 18 e 29 anos se diziam “atentos às eleições”.
A limitação no uso da propaganda poderia representar, como a comparação com o caso norte-americano sugere, um freio ao florescimento do que os antropólogos Moacir Palmeira e Beatriz Heredia bem definiram como o “tempo da política” para descrever o momento em que a eleição começa no imaginário do eleitorado a partir da presença dos cartazes, camisas, brindes, auto falantes, caixas de som etc. Em meio às inúmeras “operações” coordenadas pela PF, gravações, indiciamentos, prisões, habeas corpus e demais jargões policiais e jurídicos que ocupam os meios de comunicação, povoando críticas e reforçando desconfianças antigas da população brasileira com relação a viabilidade da política enquanto espinha dorsal da vida nacional, o não envolvimento do eleitorado nas campanhas talvez seja um mal a ser combatido. Talvez sua adesão à política seja, igualmente, uma questão.
No entanto, nosso mal não parece ser análogo ao individualismo identificado na sociedade americana, expresso inclusive na sua legislação, onde o cidadão se vê “livre” para opinar ou não no processo democrático. A legislação eleitoral brasileira é imbuída da defesa de um ideal republicano traduzido na obrigatoriedade da participação eleitoral, momento em que a cidadania desperta para a existência de outras individualidades, com anseios e desejos próprios, que não apenas a sua. Dessa forma, o dilema aqui a ser combatido se refere muito mais a necessidade de medidas que tornem nossa república cada vez mais democrática do que a preocupação em convencer os cidadãos de que sua presença é importante, como o crescimento do número de eleitores e o incremento dos mecanismos eleitorais atestam.
Nesse processo, o objetivo é conciliar a atuação de instituições próprias do direito, bem localizadas pela Constituição de 1988 na democracia contemporânea, com a esfera da política. Compreender o papel democrático de corporações de fora do seu mundo, sem transformá-las em figuras “salvacionistas” que tornem o fazer propriamente político um exercício diminuto, torna-se o desafio real. Conforme sugere Luiz Werneck Vianna, o verdadeiro caminho para a consolidação da democracia no país se apresenta mediante a correta compreensão do papel dessa nova institucionalidade atribuída ao direito, aliada à construção de uma esfera pública reflexiva, que tematize os principais problemas da sociedade brasileira, devolvendo à política o seu lugar na ordem democrática.
Com isso, se o que entendemos por democracia é algo comprometido com o ideal de igualdade, o TSE parece tentar cumprir seu papel virtuoso e republicano ao controlar os abusos do poder econômico testemunhados em campanhas anteriores, tornando o acesso ao exercício da política mais justo. Depois de compreendido corretamente seu papel, resta apenas asseguramos que isso não nos faça perder de vista o necessário horizonte cívico da participação dos eleitores no “tempo da política”.
Agradeço os comentários e sugestões de Luiz Werneck Vianna, bem como a revisão criteriosa do texto realizada pelo colega Igor Machado Suzano, isentando-os, contudo, de eventuais distorções do argumento.
O presente artigo foi publicado originalmente no Boletim CEDES de julho/agosto de 2008, disponível no sítio do Centro de Estudos Direito e Sociedade.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Desejo de Matar

Da idolatria ao Capitão Nascimento à morte do menino João Roberto: a gente já viu esse filme.
Arnaldo Bloch
De tudo o que se disse até agora sobre a morte do menino João Roberto, para lá dos especialistas e palpiteiros, as palavras mais sensatas foram, de longe, as do pai da vítima, Paulo Roberto Soares: “O Estado não tem carta branca para matar ninguém. Aqui não tem pena de morte. E se fossem bandidos? Que prendessem os caras!” Tamanhas clareza e consciência do estado de direito são de espantar no quadro atual, ainda mais vindos do pai da vítima, que poderia estar, até justificadamente, tomado por idéias de vingança. Se o pensamento de Paulo Roberto fosse o mesmo que orientasse as ações – e, por que não dizer?, a doutrina – da PM, seu filho ainda estaria vivo.
Mas, infelizmente, as idéias de Paulo Roberto estão longe de predominar, e não é só na PM: na sociedade como um todo e, especialmente, no Rio de Janeiro, suas palavras soam absurdas. Na cidade onde ainda imperam as teses de que “bandido bom é bandido morto” e de que “direitos humanos são coisa de amigo de meliante”, onde se aplaude execução de ladrão de galinha atrás de camburão na entrada do Rio Sul, quem é que vai dar ouvidos à sensatez de Paulo Roberto?
O pensamento reinante, ao contrário, é de que o Estado tem, sim, direito de executar, e deve fazê-lo, sistematicamente. De que a pena de morte só não existe no papel, porque, na dura realidade, tem mesmo é que metralhar.
Dizer, como fez o pai de João Roberto, que, bandido ou inocente, criança ou facínora, “aqui não se mata, aqui se prende” soa como uma afronta à lógica estabelecida. Não à toa, foi rapidamente aceita como definitiva a tese de que a morte de João Roberto foi um fato grave, mas de ordem técnica, cuja origem está na falta de treinamento e de reciclagem dos policiais.
Não nos enganemos. Ainda que os PMs precisem de cursos (assim como precisam de melhores salários e condições de trabalho), o problema central está longe de ser esse. Mais que os PMs, quem está precisando de uma reciclagem é a sociedade civil e suas idéias envelhecidas, autoritárias, covardes, que se refletem, naturalmente, nas instituições. No final, é claro que uma bala vai acabar ricocheteando na cabeça de um de nossos filhos. Difícil é enxergar a que ponto a bala foi disparada por nós mesmos.
Ou será que já esquecemos que, menos de um ano atrás, o matador e torturador Capitão Nascimento, de “Tropa de elite”, virou ídolo nacional? Esquecemos que, no último réveillon de Angra, ele foi destaque no desfile de embarcações? Esquecemos que, em nossa cidade, os batalhões, para se motivar, saem às ruas “animados” pela trilha do filme?
Esquecemos que estamos no Rio de Janeiro, estado e cidade das chacinas de menores, das milícias, da Assembléia e da Câmara lotadas de figuras da mais baixa estatura moral, criminosos de ficha gorda, corruptos de carteirinha, representantes legais das máfias que arrotam projéteis em nossas ruas à luz do dia (e olha que nem falamos ainda do tráfico...).
O que matou o menino João Roberto não foi a falta de treinamento. Foi o culto à morte que, faz tempo, se estabeleceu por aqui. Um culto relacionado, sim, à noção de conflito generalizado, mas que não se restringe a este aspecto circunstancial: transformou-se, já, numa sede, numa fome de matar, desejo permanente de vingança que, facilmente, animada pela cultura de massa, se converte num prazer cinematográfico, uma personificação coletiva dos heróis assassinos, uma compensação ilusória para a impotência do cidadão.
A impotência do cidadão, contudo, não fruto só de sua vitimização pelo poder público, pela bandidagem, pela injustiça, pelo que quer que seja: a impotência é também uma escolha. A escolha de permanecer na ignorância. A escolha de não assumir a própria responsabilidade na disseminação da doutrina da morte. A escolha (esta, internacional) de não debater temas fundamentais, como a relação direta entre a proibição das drogas e fortalecimento do tráfico e, conseqüentemente, de seus tentáculos nas estruturas corruptas instaladas nas instituições.
A escolha do preconceito. A escolha da humilhação. A escolha de aprovar os presídios superlotados, onde se cultiva mais e mais sede de vingança, numa dinâmica de retro alimentação que, no fim da linha, faz sofrerem não apenas os detentos – mas quem está fora, achando que encarcerar gente como se encarcera porco (os porcos são mais bem tratados) vai resultar em alguma paz social. Como se a resposta não viesse em dobro e, talvez, através de uma saraivada de tiros cravada pelas forças da lei no coração de alguém que a gente ama.
Que coragem a do pai de João Roberto contrariar esse discurso velho, infame, irracional, que predomina entre nossos pares. Não tivesse ele perdido o filho e dissesse mesma coisa, já estaria sendo apedrejado. Coragem como a dele, só a de admitir a nossa parte de culpa na morte de João. Se conseguirmos, será um primeiro passo rumo à verdadeira justiça e a uma sociedade melhor.
E-mail para a coluna do autor:
arnaldo@oglobo.com.br
Fonte: Jornal O Globo (Sábado, 12 de julho de 2008)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Fascismo: moralismo faz a política ficar de fora da discussão. Entrevista com Luiz Werneck Vianna (IUPERJ)

O Instituto Humanitas Unisinos publicou, em sua revista online do dia 20 de julho de 2008, uma entrevista com o prof. Luiz Jorge Werneck Vianna (IUPERJ) sobre os recentes acontecimentos envolvendo as operações da Polícia Federal e a polêmica decorrente das intervenções do Supremo Tribunal Federal no caso.
Na entrevista, o prof. Werneck Vianna alerta para o perigo do espírito salvacionista que está se formando na sociedade brasileira, tendência que ignora a importância da política e a necessidade de debatermos questões centrais da agenda nacional: "Há um 'Batman institucional' atuando sobre a nossa realidade", constata.
Ao analisar os recentes episódios de corrupção no Brasil, a partir da prisão (ou da tentativa de) do banqueiro Daniel Dantas, o professor Luiz Werneck Vianna, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, identifica apenas “o capitalismo operando”. Para ele, o mal não está em figuras como a de Dantas ou de Eike Batista, “como se a sociedade fosse melhorar se nos livrássemos delas”. Ele garante: “Não vai melhorar. A sociedade vai melhorar se organizando em torno das suas questões centrais”, que são, na sua opinião, o crescimento econômico, a reforma agrária e a democratização da propriedade. O pesquisador acredita que “os piores instintos da sociedade estão sendo suscitados com tudo isso”. E que a solução virá “com mais política”. “O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política recua. Não há política. Está faltando sociedade organizada, reflexiva. A política está reduzida ao noticiário policial”, explica.
Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Doutor em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros livros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). A seguir, confira a entrevista:
IHU On-Line - Personagens como Daniel Dantas e Eike Batista avançaram sobre nacos importantes do patrimônio do Estado brasileiro. Quais foram as condições políticas e econômicas que permitiram o surgimento desses personagens?
Luiz Werneck Vianna – O Brasil é um país capitalista. E esses são empresários audaciosos, jovens, e têm encontrado um terreno favorável a tratativas com o executivo no sentido de fazer negócios de interesse comum. E nisso ambos parecem que têm se complicado muito. No entanto, há uma zona de sombra que ainda precisa ser esclarecida. Meu problema em relação a tudo é essa sucessão de intervenções espetaculosas da Polícia Federal, a mobilização da mídia, do Ministério Público, do Judiciário e da opinião pública para esses fatos. As questões centrais não são essas. Com essa cortina espetacular, o mundo continua como dantes. Nada muda no que se refere à questão agrária, às políticas sociais. A população anda desanimada, desencantada. Além disso, o que aparece aqui, que é muito perigoso, é um espírito salvacionista. Há um “Batman institucional” atuando sobre a nossa realidade. Esse “Batman” é a Polícia Federal associada ao Ministério Público. Há elementos muito perigosos aí, de índole messiânica, salvacionista, apolítica, que podem indicar a emergência de uma cultura política fascista entre nós. Todos esses escândalos e espetáculos atraem a opinião pública como se dependesse da salvação de todos apurar os negócios do Eike Batista e do Daniel Dantas. Não depende, isso é mentira! Com isso, se mobiliza a classe média para um moralismo que não pára de se manifestar. A política cai fora do espaço de discussão. Enquanto isso, aparecem dois personagens institucionais, ambos vinculados ao Estado: o Ministério Público e a Polícia Federal. Este caminho é perigoso, e a sociedade não reage a ele faz tempo. A cultura do fascismo pode se manifestar com traços mais bem definidos, a partir da idéia de que nosso inimigo é a corrupção, especialmente aquela praticada pelas elites. Então, a sociedade acha que se resolve esse problema colocando a elite branca na cadeia. Desse modo, o país viveria numa sociedade justa. Não vai, mentira!
IHU On-Line – O que o senhor considera como as questões centrais na sociedade brasileira, que devem ser discutidas com mais ênfase?
Luiz Werneck Vianna – O tema do crescimento econômico, da reforma agrária, da democratização da propriedade. Para isso ninguém mobiliza ninguém.
IHU On-Line - Pode-se afirmar que os anos dourados do neoliberalismo brasileiro produziram uma nova burguesia nacional da qual Daniel Dantas e Eike Batista são hoje personagens centrais? O que distingue essa nova burguesia da “velha burguesia nacional” do período desenvolvimentista?
Luiz Werneck Vianna – Eike Batista não é um homem das finanças, e sim um homem da produção. O Daniel Dantas, não. Ele é um homem do setor financeiro. Este setor apresentou enormes possibilidades. Esses executivos do setor financeiro não têm 40 anos. Se examinarmos os currículos deles, veremos que são formados por boas universidades, com doutorado no exterior. Apareceu um novo mundo para esses setores médios e educados da população, especialmente os economistas. Se passa da posição de economista para a posição de banqueiro hoje muito facilmente.
IHU On-Line - Como o senhor interpreta essas relações aparentemente ambíguas que o banqueiro Dantas tinha, ao mesmo tempo, com o mercado financeiro internacional e os fundos de pensão do Estado do qual fazem parte sindicalistas? Acabou-se a velha contradição capital - trabalho?
Luiz Werneck Vianna – Essa questão dos fundos previdenciários existe em toda a parte, não apenas no Brasil. E o controle disso tem sido em boa parte corporativo. Quem mexeu com a questão e falou no surgimento de uma nova classe foi o Francisco de Oliveira. Não sei se devemos concordar inteiramente com o que ele diz, mas, pelo menos, é uma alusão importante. O capital hoje tem uma outra forma de circular, e isso não ajuda o mundo sindical a se reorganizar. O que vemos é um sindicalismo inteiramente cooptado pelo Estado. Dantas jogou com as oportunidades que viu. Até agora, as únicas coisas concretas pelas quais ele pode ser pego são o suborno ao policial e seu problema com o Imposto de Renda. Esse é o capitalismo operando. Daqui a pouco vão querer “prender” o capitalismo. E não creio que isso esteja na intenção da Polícia Federal. O mal não está nessas figuras, como se a sociedade fosse melhorar se nos livrássemos delas. Não vai melhorar. A sociedade vai melhorar se organizando em torno das suas questões centrais.
IHU On-Line - O banqueiro Dantas estabeleceu uma rede de conexões políticas tecida ao longo de três governos – Collor, FHC e Lula. Como entender o poder de Daniel Dantas, sua capacidade de manipulação e envolvimento de tantas pessoas, de diferentes governos, nessa malha de corrupção?
Luiz Werneck Vianna – Era necessário que nessa rede público-privada aparecessem personagens. Essa rede não podia se montar sem pessoas concretas. Dantas foi uma. O ponto da privatização estabeleceu um caminho para que esses homens encontrassem a sua oportunidade.
IHU On-Line - O senhor considera que o caso Dantas ameaça o conceito de República, ou se pode afirmar que efetivamente o Brasil nunca desfrutou do status de República?
Luiz Werneck Vianna – Não ameaça nada. Esse é um affaire midiático, com cortinas de fumaça. Os piores instintos da sociedade estão sendo suscitados com tudo isso. Vejo as primeiras fumacinhas de uma síndrome fascista entre nós. E isso deve ser denunciado, combatido, e com política, com mais política. O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política recua. Está faltando sociedade organizada, reflexiva, e a política está reduzida ao noticiário policial.
IHU On-Line - Como o senhor analisa a postura do Supremo Tribunal Federal nesse caso? Como interpreta o comportamento do ministro Gilmar Mendes?
Luiz Werneck Vianna – Interpreto bem. O papel da Suprema Corte é defender a Constituição, as liberdades individuais, e também não deixa de incorporar essa preocupação com o testemunho do espetacular que essas operações policiais manifestam. Uma outra questão vinculada a isso é a escuta telefônica. Estamos indo para um estado policial? E a sociedade aprende a apontar como culpado o “malvado” lá da ponta, responsável por todos os males, que, caso preso e execrado, fará com que ela melhore. Num ano eleitoral, tudo se discute, menos a política. Não podemos defender a idéia de que um grande inquérito, um grande processo pode resolver as máculas da nossa história, criar um novo tipo de um encaminhamento feliz para nós (e isso é feito pela polícia, pelos grampos telefônicos, pela repressão!). Isso não lembra a linguagem do regime militar, quando ele se impôs? De que o grande inimigo é a corrupção? Só que agora tudo está sendo feito numa escala nova, imensa, com um domínio total dos meios de comunicação. O próprio Congresso se tornou uma ampla comissão parlamentar de inquérito, apurando, investigando e não discutindo políticas e soluções para os problemas. Além do mais, temos um grupamento novo na sociedade: a Polícia Federal é nova. Ela foi extraída da classe média. Seu pessoal é concursado, bem formado, com curso superior. Seus integrantes estão autonomizados a ir para as ruas com esse sentimento messiânico, que aparece no relatório do delegado Protógenes, de que a Polícia pode salvar o mundo.
IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre o combate à corrupção no Brasil? Este episódio recente abre a possibilidade de mudanças?
Luiz Werneck Vianna – Nesse processo, a ordem racional legal avança, se aprimora, se aperfeiçoa. No entanto, o que tento combater é uma visão salvadora, justiceira, messiânica do papel policial para a erradicação dos nossos males, como se não devesse haver nenhum impedimento entre a ação da polícia e a sociedade, como se não devêssemos ter habeas corpus, como se as pessoas pudessem ser presas, retiradas das suas casas nas primeiras horas da manhã, algemadas, e tudo isso passando por câmeras de televisão... Não creio que isso seja um indicador de democracia.
IHU On-Line - Que tipo de sentimento esse episódio provoca na população brasileira? Revolta, descrédito nas instituições?
Luiz Werneck Vianna – Descrédito. E também aprofunda o fosso entre a sociedade e a política, mantém a sociedade fragmentada, isolada, esperando que a ação desses novos homens, dessas corporações novas, nos livre do mal. Talvez eu tenha dado muita ênfase à dimensão negativa de tudo isso, mas também vejo que esse processo pode ser corrigido se a ordem racional legal for defendida por recursos democráticos, sem violência, com respeito às leis, à dignidade da pessoa humana. É possível se avançar na ordem racional legal, investigando a corrupção, prendendo seus responsáveis, mas sem que isso assuma o caráter de escândalo, de espetáculo, no qual parece que temos um agente de salvação em defesa da sociedade. Isso sim é perigoso.
Fonte: Entrevistas - IHU on-line (20/07/2008)

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Trabalhos das gráficas e regras eleitorais estão a todo vapor em Juiz de Fora

As gráficas em Juiz de Fora trabalham dobrado para atender os pedidos de candidatos às eleições municipais em 2008. No entanto, o lucro das indústrias só não é maior porque, mais uma vez, a Justiça Eleitoral proibiu a distribuição de brindes, dentre outras regulamentações de conduta, por meio da Resolução 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Alguns analistas políticos acreditam na democratização das campanhas e no freio do poder econômico.
Mesmo assim, as impressoras de uma gráfica na cidade trabalham em ritmo acelerado. Precisam imprimir material de campanha para candidatos a prefeito e vereador, demanda responsável por um movimento 30% maior na empresa. Por dia, uma média de 35 adesivos são colados nos vidros traseiros de carros, trabalho que passa a não ter dia e nem hora para acontecer. De acordo com o proprietário, José Carlos Vieira, os candidatos querem tudo muito rápido o que exige trabalho inclusive nos fins de semana.
Mas a campanha eleitoral não tem sido lucrativa para todos. Uma confecção juizforana deixou de produzir 40 mil camisas, brindes que foram usados por candidatos nas últimas eleições em várias cidades da Zona da Mata. Este ano eles também estão proibidos.
Tanto quanto os candidatos, quem produz brindes de campanha precisa cumprir regras definidas pela Justiça Eleitoral num conjunto de instruções e resoluções. Todas as normas foram criadas com a justificativa de que a disputa vai oferecer chances iguais aos candidatos, principalmente do ponto de vista econômico.
Além das camisas, bonés, chaveiros e canetas estão proibidos. Outdoors também não poderão ser usados, limitados ao tamanho de quatro metros quadrados e fixados apenas em propriedades particulares. Os candidatos não podem realizar showmícios. Os santinhos ainda podem ser distribuídos, sendo que em todo o material impresso precisa constar CNPJ do candidato, da gráfica e a tiragem do material.
O cientista político Diogo Tourino acredita que as regras vão democratizar ainda mais as eleições e vão exigir mais criatividade dos candidatos.
Os alto-falantes e amplificadores podem ser usados entre 8h e 22h, menos no dia da votação. Para a Justiça Eleitoral, é considerada compra de voto doar, oferecer, prometer ou entregar qualquer bem ou vantagem pessoal a um eleitor em troca de voto. O Tribunal Regional Eleitoral lança no dia 30 de julho a ouvidoria eleitoral. Nela, o eleitor poderá por telefone denunciar irregularidades das campanhas.
Fonte: MGTV (Juiz de Fora, 29/07/2008)
Sítio: Portal Megaminas.com

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Cerco ao “caixa dois” inibe doações em JF

Desde o caso do “mensalão”, que revelou em 2005 esquemas de “caixa dois” nas campanhas do PT e do PSDB, a Justiça vem impondo maior rigor nas regras para a contabilidade das disputas eleitorais. As mudanças, que estão sendo testadas pela primeira vez em eleições municipais, começam a surtir efeitos. Na próxima semana, quando os seis candidatos à PJF fizerem suas prestações de contas parciais, já será possível observar o novo perfil do doador de campanha. Com receio da exposição ostensiva das contribuições, as empresas se retraíram e deram lugar, nesse primeiro momento, às doações de pessoas físicas. O resultado prático disso é que todos os concorrentes só planejam que a campanha ganhe as ruas com o início do horário eleitoral na TV. Para o cientista político da UFJF, Diogo Tourino, “a saia justa” dos financiadores de campanha é salutar para a democracia. “O dinheiro passa a ter cara e é, no mínimo, incoerente que a mesma cara apareça em várias campanhas”.
As coligações lideradas pelos ex-prefeitos Tarcísio Delgado (PMDB) e Custódio Mattos (PSDB), que ficaram com o maior tempo de propaganda no rádio e TV, são exemplos daquelas que, até agora, têm encontrado dificuldades com os doadores. “As empresas até falam que vão contribuir, mas pedem um tempo para ver como serão as prestações de contas parciais”, revela um peemedebista. Além do temor da exposição durante a campanha, o financiador tem recorrido ao risco de assédio de outros concorrentes para tentar, pelo menos, adiar o apoio. Por outro lado, alerta um dirigente tucano, é preciso estar de olho em quem está fazendo doação. “Não dá para ficar recebendo dinheiro de empresa ou pessoa com ficha suja. Seria uma associação terrível”.
Enquanto aguardam os empresários decidirem se vão mesmo entrar na disputa e qual a melhor hora para fazê-lo, a saída encontrada pelos comitês financeiros das campanhas é recorrer às contribuições de pessoas físicas. Concorrendo pelo PV, o empresário Omar Peres garante que será seu maior financiador. Além dos próprios candidatos e seus familiares, amigos e simpatizantes também aparecem na lista dos principais doadores. Caso de Rafael Pimenta (PCB), que planeja uma campanha barata, mantida com a contribuição de amigos e correligionários. Como a prestação de contas será acompanhada pela Receita Federal, os valores são quase sempre baixos. Já Margarida Salomão (PT) e Vitor Pontes (PSTU) esperam contar, ainda, com ajuda extra das direções estadual e nacional de seus partidos.
Parciais:
As contas parciais podem ser enviadas, via internet, para o TSE a partir de amanhã até o dia 6 de agosto. Essa primeira remessa de dados deverá conter informações dos recursos recebidos e dos gastos realizados. Já a movimentação financeira das contas de campanhas será encaminhada diretamente pelo Banco Central ao TSE. A regra vale também para a movimentação financeira dos diretórios dos partidos políticos. O banco responsável pela conta vai enviar dois tipos de arquivo: o primeiro é um extrato bancário e o segundo é um documento eletrônico contendo a identificação da origem de todos os créditos que entraram na conta. O documento também informa os débitos acima de R$ 1 mil. Para Diogo Tourino, só com fiscalização rígida se consegue inibir práticas corriqueiras até há bem pouco tempo comuns no país. “Isso representa um freio na interferência do poder econômico”.
Fonte:
Jornal Tribuna de Minas (Juiz de Fora-MG, 31/07/08)