sexta-feira, 11 de julho de 2014

Sete questões e um post-scriptum.



Conversando com um amigo querido, jornalista virtuoso e divertido, um dia após o vareio de bola que o Brasil levou da Alemanha, entoava a ele um mantra: “a Copa tem um legado...” Sem que eu tivesse tempo para me explicar, ele retrucou: “tomara que esse legado seja algo mais do que a fatura do meu cartão de crédito”. Ele, arguto nas coisas do futebol, havia passado os últimos dias em “turnê” pela Copa, atrás da Seleção, e agora receava o preço a pagar. Eu, que logo depois do jogo já aventava minhas hipóteses, precisava de só mais algumas horas para elaborar meu luto em texto.

Muito já se escreveu, tripudiou e teorizou. Da minha parte, não vou “chutar cachorro morto”, e longe de mim querer ser o primeiro “rato” e fugir de um navio que caminha com todo vapor ao naufrágio – como fez o agente do Neymar, por exemplo. Mas tenho lá minhas questões e, porquê não, um post-scriptum honroso sobre o que defendo ser o “legado da Copa” (sem qualquer conotação político-partidária... pelo menos ainda).

1. (Thomas Müller, 11min.) Foi a maior derrota da Seleção Brasileira, o que não significa que será a última. O jogo escancara uma mentira há muito bem contatada – por mim, inclusive –, e que agora não mais se sustenta. Desde a escolha de Felipão – mais ele do que Parreira, claro –, a CBF começou a contar uma mentira que aceitamos e repetimos. Uma escolha segura – dois ex-campeões – para o grande momento – jogar a Copa em casa. A mentira foi endossada pela Copa das Confederações e ganhou uma sobrevida agora em 2014, menos pela própria Seleção, e mais pelo desempenho equilibrado das demais equipes. Até a semifinal, por certo. O fato é que o padrão técnico por nós encampado carece da genialidade individual. Isso deu certo até aqui. Cinco títulos provam isso. Contudo, parece não dar mais. Talvez essa seja a questão mais dramática, e muitos dirão o contrário. Mas o fato é que à época da convocação dos jogadores, poucos, um ou dois, foram contestados. Ainda hoje, depois da derrota, não somos capazes de imaginar outro time. Logo, suponho, precisamos imaginar outro jeito de jogar;

2. (Miroslav Klose, 23min.) A arrogância do nosso futebol impressiona. Ela reverbera no comportamento diminuto da imprensa nacional. A matéria de Tino Marcos e Mauro Naves sobre a partida, exibida na manhã seguinte, resume exemplarmente essa questão. Ambos significaram a derrocada dizendo que “os alemães jogaram de vermelho e preto, mas parecia que eram os brasileiros”. Conversa! O Brasil nunca jogou daquela forma, e nunca jogará. A não ser, claro, que esteja disposto a rever seu padrão tático substantivamente, como anunciei há pouco. Não que seja essa a saída. Mas o futebol se modernizou, e nós não. Num jogo com 22 atletas em campo, costumamos depender de apenas um. Volto a dizer: tem dado certo. Porém, se entre 1970 e 1994 se passaram 5 Copas, com 2014 já perdemos a terceira;

3. (Toni Kross, 24min.) A releitura dos gols endossa esse ponto. No primeiro, que ao vivo aparentou erro de marcação, com calma vi um “malandro” Miroslav Klose, em jogada perfeitamente ensaiada, barrar a marcação de David Luiz sobre Müller. Gol de escanteio, com o pé, dentro da pequena área. Erro crasso. Nos demais, passe, passada e finalização. Eficiente e objetiva, a Seleção Alemã não protagonizou nenhum lance “mágico” (nos termos que bem definem o que entendemos por futebol). A única exceção talvez tenha sido o quinto gol, marcado após uma jogada de Sami Khedira que driblou curto, tocou e recebeu de volta. O sétimo, um suposto “golaço” de Schürrle, contou com o capricho do travessão para receber esse epíteto. Nada mais. Ou muita coisa;

4. (Toni Kross, 26min.) O argumento sobre um suposto “apagão” da equipe explica a derrota apenas em parte. Num raciocínio contrafactual, se esse jogo se repetisse 10, 20 vezes, nunca mais teríamos o mesmo placar. Ainda assim, possivelmente testemunharíamos outras 10, 20 vitórias da mesma Seleção. A Alemanha foi eficiente e soberana. Nós, desequilibrados, mais taticamente do que psicologicamente. Ainda que psicologicamente também. Talvez com Neymar em campo não evitássemos a derrota. Apenas evitaríamos o “apagão”, pois ele, nosso “um” entre onze, garantiria a chance ilusória de reação pelo fator psicológico, e não tático;

5. (Sami Khedira, 29min.) Individualizar a falha é um erro. Fred é, sem dúvida, o maior “mico” da Copa. Entretanto, no jogo em particular, foi Fernandinho, que vinha fazendo uma brilhante Copa, quem errou nos gols 2, 3 e 4, respectivamente nos minutos 23, 24 e 26, fato que configurou o suposto “apagão”. Não por acaso foi sacado no intervalo, visivelmente abatido. Isso não significa que a culpa é de um. Fomos atropelados por um time superior taticamente e tecnicamente, com menção especial para o grande jogador Toni Kroos, que apesar de craque, não é "um" entre onze;

6. (André Schürrle, 69min.) Quando critico o futebol do passado que apresentamos, critico a CBF. Malgrado as escolhas que se fizeram anteriormente, vimos um planejamento que envolvia folgas, “treinos” regenerativos na piscina e treinos recreativos para “esconder” o esquema tático da imprensa e, por conseguinte, dos adversários. Disse o “gaiato” que Felipão escondeu tão bem o esquema tático, que nem ao menos os jogadores tomaram conhecimento de sua existência. É mentira comparar nossa derrota de agora ao que sofreram os alemães em 2006 e 2010. Eles foram capazes de reinventar seu futebol olhando para seus erros. Nós preferimos esconder os nossos nos erros dos outros. E com isso não aceito a esquiva de que quem perdeu foi a Seleção, e não o Brasil. Se “somos todos um só”, perdemos juntos;

7. (André Schürrle, 79min.) Vi uma Seleção Alemã respeitosa. Não pelos pedidos de desculpas após o jogo, que me soaram cínicos no momento. Gostei das declarações do técnico J. Löw sobre a pressão de se chegar à final jogando em casa. Fora isso, só hoje consigo aceitar uma suposta simpatia do Podolski pelo Brasil, que ainda me soa um misto de cinismo com estratégia para assegurar a torcida ao seu lado. Sentimento que radica, por certo, na dor da derrota. Mas, o que se há de fazer? O respeito que há pouco aludi se explica pelos 7 gols marcados. Nós, se por algum realismo fantástico, abríssemos 2 ou 3 gols de frente, manifestaríamos nosso “apreço” pelo adversário com dribles, lances de “olé” e show para a torcida. Eles, deram passe, passada e finalização em gol. Confesso que me senti respeitado pela dignidade, eficiência e capricho com os quais os alemães nos golearam;

Post-scriptum. (Oscar, 90 min.) O que de positivo vi? Poderia dizer que achei o choro do David Luiz – grande jogador – honesto. Contudo, opto pelo modo como a Copa no Brasil escancarou o atraso da CBF, por um lado, com seu “presidente-bicheiro”, seu assessor de imprensa destemperado, seu planejamento equivocado, mas seguido à risca, e escancarou, por outro lado, a própria FIFA. Desde o debate travado por Romário à época da votação da “lei geral da Copa”, passando pela recusa de Aldo Rebelo em se curvar perante a arrogância de Jérôme Vacke, pelas “Jornadas de junho de 2013” e o #NãoVaiTerCopa, até chegarmos no escândalo da venda de ingressos desmascarado ela Polícia Federal, podemos dizer: o Brasil não “arregou”. Eleitoralmente, a derrota será nula, como a vitória o seria. Na prática, compro o ponto do Juca Kfouri sobre as relações promíscuas estabelecidas entre a FIFA e as federações nacionais, que aqui encontraram barreiras, seja numa sociedade civil pululante, seja no próprio aparelho coercitivo do Estado.

Gosto de futebol e torci a favor da Copa. Foram grandes jogos. Ainda faltam dois. Não concordei com boa parte do teor dos que a ela se opuseram. Ainda assim, vejo nisso tudo um legado e torço, muito, para que ele seja algo mais do que a estrondosa fatura do cartão de crédito do amigo boleiro.