De 1989 a 2008, os neoliberais associaram a direita à ‘liberdade’, o Estado ao impedimento; agora a esquerda tem que falar.
A queda do Muro de Berlim implodiu a arquitetura do marxismo vulgar, que afinal era apenas um “derivativo” de uma sociologia positivista-naturalista. A “crise do subprime” – por outro lado – constrangeu os oráculos neoliberais que juravam desprezo pelas funções públicas do Estado.
O marxismo vulgar foi responsável por uma simplificação impotente das relações entre capitalismo e democracia. O neoliberalismo, porém, identificava no próprio mercado a essência da democracia. Tornado um livro sagrado dos rebeldes da direita intelectual, o neoliberalismo acolheu no seu leito bem-remunerado tanto os profetas das agências de risco como muitos sociólogos pós-modernos missionários da antiesquerda.
O marxismo vulgar professou o “caminho único” da ditadura burocrática como uma espécie de etapa necessária para a superação do capitalismo. O neoliberalismo bastou-se a si mesmo. Não precisava olhar para o futuro, pois a “sublimação histérica do presente”, sem regulação, já era suficiente para que o mercado nos humanizasse.
Quando o sistema financeiro global derreteu, o ex-presidente do FED, Alan Greenspan, fez a sua autocrítica e classificou os dirigentes corporativos de “enganadores”, pois eles deveriam ter sido mais bem comportados... Outros ficaram tão possessos que chegaram a dizer que o neoliberalismo era uma fraude conceitual. Assim, esconderam a sua paixão pelo mercado e fizeram ataques preventivos à esquerda, antes mesmo que ela falasse.
Depois da queda do muro, choveram artigos de todas as origens ideológicas. A maior parte da esquerda, expondo seus erros, suas misérias teóricas e graves erros históricos. Os vencedores, ali, aproveitaram para forçar a barra do “caminho único” e instalar uma total inversão de valores. ‘Tiveram amplo acolhimento da maioria dos meios de comunicação, com reflexo nos principais partidos políticos. Era o registro do fim da história como programa máximo.
O que resultou de mais positivo neste período – para nós da esquerda – foi a afirmação de um novo republicanismo democrático, comprometido com fortes políticas distributivas, com o liberalismo político e os direitos humanos, desacreditando a conexão entre o socialismo e a ditadura de classe. Tratamos, assim, de reiniciar um projeto utópico, ainda balbuciante, para substituir a visão anterior, baseada numa idéia socialista fechada, optando pelo socialismo como idéia reguladora na democracia pluriclassista.
Entre 1989 e 2008, os neoliberais “lavaram a égua”, como se diz no meu Rio Grande. Conseguiram criar um dicionário dinossáurico: a esquerda como símbolo do atraso, a direita identificada com a “liberdade”; o Estado como sinônimo de impedimento, a iniciativa privada como símbolo da competência; as corporações globais como refúgio da pureza e as empresas estatais como paquidermes inúteis.
O Estado, porém, é o mesmo que agora é chamado para pagar a conta do “risco”, da “imprevisão” e do “mau comportamento”. É o mesmo Estado que atrapalhou o desenvolvimento e o progresso e agora socorre o risco não previsto pelas agências do mesmo nome. O mesmo Estado que, em breve, refeitos os bancos, já passará a ser o mesmo inimigo de antes.
Lembro um belo filme de Nanni Moretti [“Aprile”], ele mesmo diretor e ator. Moretti aparece defronte a televisão esforçando-se inutilmente para influenciar D’Alema, que debatia na telinha com Berlusconi. Moretti dizia nervoso: “Parla, D’Alema! Per carità, rispondi”. O querido mestre da centro-esquerda italiana, segundo a visão de Moretti, “non rispondeva”. Por isso perderia o páreo eleitoral.
Estamos aqui numa situação semelhante. No contexto neoliberal, a democracia cumpriu menos do que poderia cumprir, se estivéssemos numa globalização cooperativa. Mas a esquerda tem que falar. Fala, esquerda! Fala fora da ortodoxia pré-Muro! Caiu o Muro de Berlim das agências de risco e nós dissemos muito pouco! Ou só obviedades. Caiu o socialismo burocrático, ruiu a social-democracia, adoeceu o financeirismo neoliberal e nós estamos incrivelmente quietos. Só Lula fala. Sejamos solidários. Falemos junto com Lula.
O marxismo vulgar foi responsável por uma simplificação impotente das relações entre capitalismo e democracia. O neoliberalismo, porém, identificava no próprio mercado a essência da democracia. Tornado um livro sagrado dos rebeldes da direita intelectual, o neoliberalismo acolheu no seu leito bem-remunerado tanto os profetas das agências de risco como muitos sociólogos pós-modernos missionários da antiesquerda.
O marxismo vulgar professou o “caminho único” da ditadura burocrática como uma espécie de etapa necessária para a superação do capitalismo. O neoliberalismo bastou-se a si mesmo. Não precisava olhar para o futuro, pois a “sublimação histérica do presente”, sem regulação, já era suficiente para que o mercado nos humanizasse.
Quando o sistema financeiro global derreteu, o ex-presidente do FED, Alan Greenspan, fez a sua autocrítica e classificou os dirigentes corporativos de “enganadores”, pois eles deveriam ter sido mais bem comportados... Outros ficaram tão possessos que chegaram a dizer que o neoliberalismo era uma fraude conceitual. Assim, esconderam a sua paixão pelo mercado e fizeram ataques preventivos à esquerda, antes mesmo que ela falasse.
Depois da queda do muro, choveram artigos de todas as origens ideológicas. A maior parte da esquerda, expondo seus erros, suas misérias teóricas e graves erros históricos. Os vencedores, ali, aproveitaram para forçar a barra do “caminho único” e instalar uma total inversão de valores. ‘Tiveram amplo acolhimento da maioria dos meios de comunicação, com reflexo nos principais partidos políticos. Era o registro do fim da história como programa máximo.
O que resultou de mais positivo neste período – para nós da esquerda – foi a afirmação de um novo republicanismo democrático, comprometido com fortes políticas distributivas, com o liberalismo político e os direitos humanos, desacreditando a conexão entre o socialismo e a ditadura de classe. Tratamos, assim, de reiniciar um projeto utópico, ainda balbuciante, para substituir a visão anterior, baseada numa idéia socialista fechada, optando pelo socialismo como idéia reguladora na democracia pluriclassista.
Entre 1989 e 2008, os neoliberais “lavaram a égua”, como se diz no meu Rio Grande. Conseguiram criar um dicionário dinossáurico: a esquerda como símbolo do atraso, a direita identificada com a “liberdade”; o Estado como sinônimo de impedimento, a iniciativa privada como símbolo da competência; as corporações globais como refúgio da pureza e as empresas estatais como paquidermes inúteis.
O Estado, porém, é o mesmo que agora é chamado para pagar a conta do “risco”, da “imprevisão” e do “mau comportamento”. É o mesmo Estado que atrapalhou o desenvolvimento e o progresso e agora socorre o risco não previsto pelas agências do mesmo nome. O mesmo Estado que, em breve, refeitos os bancos, já passará a ser o mesmo inimigo de antes.
Lembro um belo filme de Nanni Moretti [“Aprile”], ele mesmo diretor e ator. Moretti aparece defronte a televisão esforçando-se inutilmente para influenciar D’Alema, que debatia na telinha com Berlusconi. Moretti dizia nervoso: “Parla, D’Alema! Per carità, rispondi”. O querido mestre da centro-esquerda italiana, segundo a visão de Moretti, “non rispondeva”. Por isso perderia o páreo eleitoral.
Estamos aqui numa situação semelhante. No contexto neoliberal, a democracia cumpriu menos do que poderia cumprir, se estivéssemos numa globalização cooperativa. Mas a esquerda tem que falar. Fala, esquerda! Fala fora da ortodoxia pré-Muro! Caiu o Muro de Berlim das agências de risco e nós dissemos muito pouco! Ou só obviedades. Caiu o socialismo burocrático, ruiu a social-democracia, adoeceu o financeirismo neoliberal e nós estamos incrivelmente quietos. Só Lula fala. Sejamos solidários. Falemos junto com Lula.
TARSO GENRO é ministro da Justiça.
Fonte: Tendências/Debates - Folha de São Paulo (04/01/2009)